Ricardo Murer
Graduado em Ciências da Computação, mestre em Comunicação, atua no mercado digital há 28 anos. Atualmente é Head de Operações da Agnitio e Professor de Redes Sociais (MBA) na ESPM.
Não é só o algoritmo do Facebook que precisa de ajustesVoltar ao topo
Notícias falsas podem abalar processos democráticos e influenciar de forma negativa milhões de pessoas
“A ideia original da web é que ela deve ser um espaço colaborativo, onde você pode se comunicar por meio do compartilhamento de informações” Tim Berners-Lee (Cientista de computação inglês -1955-)
Aqueles que acompanham minha coluna sabem que tenho um olhar crítico em relação aos sites de mídias sociais (SMSs). Afinal, os SMSs e em especial o Facebook, apesar do uso de tecnologias de ponta, seus milhares de desenvolvedores talentosos e algoritmos baseados em inteligência artificial, deixam bots, perfis falsos e notícias falsas (fake news) invadirem nossos feeds de notícias como pragas. Mark Zuckerberg está “levando porrada” de todos os lados, do público, da mídia tradicional, jornalistas e políticos, que notaram (com razão) que estamos diante de um problema sério: notícias falsas podem abalar processos democráticos, influenciar de forma negativa milhões de pessoas e criar “bolhas fechadas” dentro das SMSs, com alto poder combustão e radicalismo. Mas, será o Facebook o único responsável?
O começo da história
Mídias sociais é um termo amplo o qual abrange diferentes espaços de interação entre usuários, tais como instant messengers, fóruns, blogs e os SMSs. Mas há uma diferença fundamental entre a infância da World Wide Web e sua adolescência rebelde atual: o empoderamento do usuário. Um acontecimento chamado Web 2.0, o qual marca a chegada dos SMSs e das ferramentas para produção, publicação e compartilhamento de conteúdos. Historicamente, a internet sempre foi um espaço de interação repleto de fake news e isto faz parte da cultura digital. A produção de conteúdos falsos, fotomontagens e memes, já existia desde os tempos do image-board 4Chan (e isso é bem antigo!). Hackers sempre foram mestres em criar informações mentirosas com o objetivo de roubar dados pessoais ou invadir sistemas.
A vida “virtual” nunca foi uma caminhada por um paraíso idílico, muito pelo contrário, para os leigos em tecnologia (nesta categoria estão alguns bilhões de usuários) ela sempre foi e será bem arriscada, tal como atravessar uma floresta escura repleta de predadores. Que fique claro: o conteúdo (verdadeiro ou falso) na era da Web 2.0 tem sua origem em nossas mãos e é por nós compartilhado. Metaforicamente, o Facebook é um supermercado, ele é responsável por colocar os produtos nas prateleiras. Mas neste supermercado somos nós (em 99% dos casos) que fazemos os produtos e somos nós que escolhemos os produtos que vamos levar para casa. A pergunta é: qual o critério ou processo mental que estamos utilizando para isso?
O fim da história
O Facebook rebolar e ajustar seu algoritmo para frear as notícias falsas é algo nobre, mas não vai resolver. É como pedir para o gerente do supermercado avaliar, classificar, testar, provar, ler rótulos e informações de cada produto que está nas prateleiras e no final “decidir por nós”. Somente no Facebook, 300 milhões de fotos são publicadas por dia e estatísticas mostram que 4,75 bilhões de peças de conteúdo são compartilhadas diariamente. É preciso reconhecer a origem do problema: nós mesmos. Parte da responsabilidade está no sistema educacional o qual anda refém das SMSs.
Assim, bem antes de chegar no Facebook, Twitter ou qualquer outra mídia social, nós precisamos reaprender a ler e adquirir conhecimento. Primeiro valorizando a leitura de bons livros, artigos, revistas, jornais e também canais de vídeo e blogs de professores sérios e talentosos. Todos estes materiais estão em formato digital, on-line, à disposição dos usuários e a maioria com acesso gratuito. Segundo, é preciso acabar com o critério de escolha de conteúdo baseado em volume de audiência (curtidas ou número de seguidores por exemplo) o qual não reflete a qualidade e veracidade do conteúdo em si. Hoje, qualquer um pode comprar curtidas ou seguidores. Terceiro, compreender de uma vez por todas o grau de responsabilidade do ato de compartilhar: assim como não servimos no jantar para os amigos ou nossa família uma comida que compramos e pode estar estragada, não devemos compartilhar notícias cuja fonte é duvidosa.
O Facebook pode mudar seu algoritmo, mas não vai vencer as notícias falsas. É o nosso algoritmo mental que precisa de atualização.
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Precisamos falar sobre o lixo eletrônicoVoltar ao topo
Em 2017, cerca de 50 milhões de toneladas de lixo eletrônico foram descartados
“Nós nos tornamos sábios não pela lembrança de nosso passado, mas pela responsabilidade com nosso futuro.” George Bernard Shaw (Dramaturgo e crítico irlandês -1856 – 1950)
O meio ambiente e países do terceiro mundo estão pagando um preço muito alto pela era digital. Cálculo recente provou que em 2017, cerca de 50 milhões de toneladas de lixo eletrônico (e-waste) como são chamados os equipamentos eletrônicos descartados, suas baterias, celulares e até partes de brinquedos infantis, foram descartados pela sociedade. O mais espantoso é o ritmo com que isto vem aumentando: de 2017 para 2015 houve um aumento de 20% no lixo eletrônico descartado. O destino de todo esse material tóxico e danoso são países do terceiro mundo, em especial a cidade de Guiyu na China, Accra em Ghana e diversas cidades da Índia.
Desastre ecológico e social
Na Índia, 25 mil trabalhadores, boa parte crianças, são empregados em estaleiros de sucata em Nova Delhi por exemplo, onde 10 a 200 toneladas de resíduos eletrônicos são manipuladas a cada ano, sendo 25% de computadores. Em Guiyu, estimava-se que 80% das crianças sofrem de algum tipo de doença respiratória por causa do ar contaminado vindo de áreas de reciclagem ou lixões a céu aberto. A Organização Mundial de Saúde afirma que metais pesados, como chumbo e cádmio, presentes em componentes eletrônicos, mesmo em níveis baixos, podem ameaçar o desenvolvimento infantil e causar danos neurológicos. Em Accra, a contaminação ambiental do chumbo é predominantemente causada pela queima do revestimento plástico de fios de cobre. A fumaça liberada destes plásticos e metais utilizados nos componentes eletrônicos é altamente tóxica e cancerígena.
Palavras
Governos e ONGs em todo o mundo têm se mobilizado para regularizar empresas de reciclagem, mas isto não é suficiente. Nas últimas décadas, velocidade da inovação, pressão de investidores e busca alucinante por liderança de mercado fez com que o lançamento de novos produtos eletrônicos caísse para menos de um ano. Para seduzir consumidores a trocar/descartar seus equipamentos, práticas de marketing agressivas e uso de técnicas duvidosas de obsolescência induzida são usadas sem nenhum pudor. Então se esta é o caminho para o novo, não vejo outra solução para os produtos descartados senão a adoção global da “Logística Reversa”, a qual lida com o caminho inverso, isto é, do produto que está nas mãos dos consumidores até sua volta ao fabricante.
Transferir para sociedade, governos e ONGs a responsabilidade da reciclagem de eletrônicos é um absurdo, considerando a complexidade, perigo e danos ao meio ambiente e a saúde das pessoas durante a manipulação destes produtos. Reciclar eletrônicos é coisa de especialistas, de fato, é uma “engenharia reversa” que fabricantes conhecem muito bem, já que dominam o processo de montagem do começo ao fim. De fato, precisamos falar sobre lixo eletrônico em particular com a indústria de eletrônicos, seus CEOs, designers e gênios do marketing os quais precisam repensar sua postura irresponsável diante da sociedade e do meio ambiente e devem: [1.] investir na construção de parques próprios de reciclagem; [2.] inaugurar pontos de coleta de produtos usados em cada um de seus pontos de venda e [3.] reciclar seus produtos reutilizando materiais de forma sustentável.
Além das palavras
A motivação para este breve artigo veio da exposição do fotógrafo alemão Kai Löffelbein o qual passou sete anos documentando como metais são extraídos de componentes eletrônicos, muitas vezes em condições perigosas. O seu próximo livro, CTRL-X: A Topografia do E-Waste, contém fotografias que ele tirou em Gana, na China e na Índia. Veja mais.
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