Bananal Online

27,9 mil famílias voltam a ter renda no Estado

No entanto, em um a cada cinco lares capixabas, ninguém possui trabalho

Luciana mora com a filha pequena num barraco à beira do valão. Além da falta de trabalho, a situação piorou com o corte do Bolsa Família

A maior crise econômica da história do país ainda deixa marcas profundas no rendimento das famílias. Com o desemprego alto, em milhares de lares nenhum membro possui um trabalho formal, e há dificuldades de conseguir renda até mesmo no mercado informal.

No Espírito Santo, após chegar a 314,4 mil domicílios nessa situação no primeiro trimestre deste ano, o número de famílias sem renda do trabalho caiu 2,1% no segundo trimestre, o que significa que 27.941 mil lares voltaram a ter algum integrante empregado, e, com isso, voltaram a ter renda.

“A melhora ainda é pequena se comparar com o número pré-crise, mas representa uma melhora no cenário econômico. Algumas famílias que haviam ascendido à classe média e depois voltaram a enfrentar as dificuldades da situação de pobreza, agora começam a recuperar a renda”, explica o presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon), Victor Toscano.

Apesar da melhora, a situação ainda é crítica. Atualmente são mais de 286 mil famílias no Estado em que ninguém trabalha, segundo levantamento realizado pela Oportunidades Pesquisa e Estudos (OPE) Sociais e pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, do IBGE.

Esse é o caso da família da aposentada Nadir Fernandes, de 73 anos, que mora numa casa simples de lajota sem reboco em frente ao Canal de Itapoã, em Vila Velha. Junto com ela, vivem mais sete familiares, entre netos, bisnetos, tataranetos e filhos adotivos. Todos vivem da aposentadoria da matriarca. “Os meninos mandam currículo, mas como eles não têm estudo ninguém contrata. Às vezes aparece um bico e eu cuido dos filhos dos vizinhos, mas até isso está difícil. A gente sobrevive com a minha aposentadoria, que eu consegui há três meses, mas não dá para nada”, conta.

Nadir Fernandes ao lado da bisneta e da tataraneta: ninguém na casa trabalha

Famílias como a de Nadir, em que ninguém trabalha, podem ter três tipos de renda alternativa, segundo explica a economista e pesquisadora da OPE Sociais, Danielle Nascimento: vinda de benefícios, de doações ou de aplicações financeiras.

“A principal renda de uma família é o trabalho. Quando ninguém na casa tem uma ocupação, rendas que são complementares se tornam o único sustento, como aposentadoria, pensão e o Bolsa Família, que são benefícios, além de doações e pessoas que vivem de rendimentos de algum dinheiro aplicado, o que hoje em dia é raro. Então, nem toda família sem renda do trabalho está em situação de pobreza, mas essa é uma situação que intensifica a pobreza”, explica Danielle.

Na casa de Silvana Oliveira, de 29 anos, a situação é ainda pior. Ela mora num pequeno barraco de palafita em Porto de Santana, Cariacica, junto com seus dois filhos Matheus, de 11 anos, e Emily, de 9, além de dois tios. No lar, ninguém possui emprego nem recebe nenhum benefício. Silvana se vira como pode ajudando os familiares com a venda de sururu e de doce de banana nas ruas. Mas a renda do bico, que gira em torno de R$ 400 por mês, nem de longe é suficiente para o sustento da casa.

“O pai das crianças não paga pensão e o governo não dá nenhuma ajuda, nem mesmo o Bolsa Família. Então o único dinheiro que a gente consegue é no mar e com os doces, dando pra tirar uns R$ 100 numa semana boa”, conta Silvana.

A situação da família se complicou tanto no último ano que as crianças tiveram que deixar a escola. Silvana mudou para Porto de Santana no fim do ano passado, e demorou a conseguir vaga para os filhos em uma escola próxima. “Quando eu enfim consegui as vagas esse ano, vim em casa pegar os documentos dos meninos mas tudo tinha sumido. Tem que fazer segunda via de tudo, mas deve ficar por mais de R$ 100 e tudo que eu ganho é pra colocar comida em casa”, lamenta.

Filho mais velho de Silvana, o pequeno Matheus sonha em poder voltar a estudar. “Eu gostava muito de ir para a escola. Antes, a gente não perdia, eu e minha irmã. Mas esse ano minha mãe não conseguiu colocar a gente. A gente sente falta”, desabafa a criança.

Matheus, de 11 anos, não estuda há um ano e ajuda a família a catar mariscos em Cariacica

A economista Danielle Nascimento explica que a crise econômica que o país começa a superar, além de ter empurrado essas famílias para a pobreza, também piorou para quem já estava nessa situação. “Apesar de pequenas oscilações de recuperação de emprego, a gente ainda percebe a intensidade da pobreza. E, sem essa renda do trabalho, a pobreza continua se intensificando”.

Os números apontam para um crescimento no número de famílias sem trabalho desde o início da crise. “Se comparar o primeiro trimestre de 2017 com o mesmo período de 2012, que foi quando a Pnad Contínua começou a ser realizada, tivemos um avanço de 100 mil famílias com moradores sem trabalho nos últimos cinco anos. É um crescimento muito grande em um curto espaço de tempo”, observa Danielle, que acredita que a tendência agora é de recuo. “Começamos a melhorar, mas ainda sem voltar aos índices ‘normais’”.

Essa situação de piora na renda é sentida pela família de Luciana dos Santos, de 20 anos. Ela mora com a filha Ágatha, de 2 anos e nove meses, junto com a mãe, o padastro e mais três irmãs. Os sete vivem num barraco de tábuas de madeira em que os quartos ficam praticamente dentro do valão de Itapoã, em Vila Velha, de frente para um grande shopping do município.

“Quando o valão enche, entra água dentro de casa. Qualquer chuva já chove mais dentro do que fora”, comenta Luciana, que conta ainda que a situação se dificultou após perder o Bolsa Família da filha. “Eles cortaram há uns dois meses e ainda não resolveram. Era uns R$ 200 por mês que ajudava muito a gente. Hoje ninguém aqui tem um trabalho fixo. Eu estou fazendo um bico de garçonete no circo por uns dias. Meu padrasto às vezes pega algum serviço de pedreiro, mas não sabemos como vai ser depois”.

Baixa escolaridade é a maior dificuldade

Delzir não conseguiu completar o ensino fundamental

Dez pessoas vivem na casa de Delzir Silva, de 63 anos, em Porto de Santana, Cariacica. Na família, ninguém tem renda do trabalho. A dificuldade é maior porque nenhum dos moradores completou os estudos.

“Eu nunca tive a oportunidade de estudar porque sempre trabalhei para manter a casa. Os meninos chegaram a começar, mas não terminaram. Como pedem estudo para tudo, até os bicos ficaram escassos”, conta a chefe da família, que costuma catar mariscos com os filhos, netos e bisnetos para garantir o sustento da casa. “Quando a gente tira muito, é uns R$ 250 a cada quinze dias e esse é o único dinheiro que entra”, completa.

Delzir é bisavó do Matheus, o menino de 11 anos citado na página anterior, que não vai para a escola há um ano. Do mais novo à matriarca da família, a necessidade de trabalhar compromete a escolaridade.

Assim como a família de Delzir, em 183.185 mil casas no Estado o responsável não tem o ensino fundamental completo. O número equivale a mais de 30% dos domicílios capixabas onde nenhum membro tem renda.

Márcio não consegue emprego pela falta de estudo

Em tempos de crise, essa parcela da população é a mais afetada, explica a economista e pesquisadora da OPE Sociais, Danielle Nascimento. “O desemprego não afeta todo mundo de forma igual. Ele é muito mais grave para quem não tem escolaridade. No primeiro momento da crise, quando as empresas iniciam os cortes de funcionários, as primeiras demissões são em cargos como serviços gerais. Quando as coisas melhoram e as empresas voltam a contratar, elas também optam por quem tem mais escolaridade. Ou seja, para quem não tem estudo, a saída do emprego é intensa e o retorno é mais difícil”.

O filho de Delzir, Márcio dos Santos, só estudou até a 1ª série do ensino fundamental, quando deixou a escola para trabalhar. Hoje, ele tem dificuldades para conseguir um emprego formal e faz bicos para auxiliar na renda da casa.

“Trabalho eu consigo. Eu tento dar uma força para minha mãe ajudando na pesca e pegando uns temporários capinando, ajudando pedreiro e carregando entulho. Mas não é sempre. O estudo acaba fazendo falta”, comenta.

Gazeta Online

Sair da versão mobile