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Após greve, PMs fazem plebiscito para 2018

Coronel “da panela vazia” e capitão Assumção estão entre os escolhidos

Dez meses após a greve da Polícia Militar, que durou 22 dias e deixou um rastro de 219 mortes, além de arestas políticas mal aparadas, parte da tropa foi às urnas entre os dias 12 e 21 de dezembro e escolheu os pré-candidatos que pretende apoiar nas eleições do ano que vem. No alvo estão cargos de deputado federal e estadual.

Por meio de uma consulta batizada de “Plebiscito do Projeto Político da Segurança Pública e Cidadania”, que contou com cerca de 3,5 mil votos, e envolve também militares do Corpo de Bombeiros, foram escolhidos os seguintes nomes: para deputado federal, Cabo Max (hoje vereador pelo PP em Viana); para deputado estadual representando a Grande Vitória, Cabo Joel da Costa (vereador pelo PEN em Cariacica); para deputado estadual representando o Norte, Olmir Castiglioni (soldado da reserva e ex-vereador de Colatina) e, por fim, como representante do Sul, também por uma vaga na Assembleia, o tenente-coronel Alexandre Quintino.

Durante a greve, Quintino concedeu uma entrevista à TV Gazeta na qual declarou: “A minha panela está vazia, assim como a panela do cabo está vazia, o nosso salário está defasado, e essa é uma verdade”. Atualmente, Quintino responde a um Conselho de Justificação por causa da entrevista e a um Inquérito Policial Militar.

Procurado pela reportagem na última sexta-feira, o tenente-coronel não quis comentar o episódio. Mas quanto a ter incluído o nome no plebiscito, disse que a ideia de disputar partiu da tropa. “Foi a tropa que pediu, que aclamou. Não fui eu que me voluntariei. Essa candidatura não é minha, é da corporação”, afirmou.

Já Castiglioni foi denunciado em fevereiro pelo Ministério Público pela prática de rachid – exigir parte do salário de um servidor. Ele nega a acusação e sustenta que foi denunciado como retaliação por ter apoiado a greve. “Esse fato ocorreu em 2012 e em fevereiro de 2017 o Ministério Público reabre o caso? Longe de mim querer julgar os promotores, mas por que no meio da manifestação dos familiares da PM veio essa denúncia?”, questionou.

“Eu estava em frente aos quarteis, dando apoio em relação a alimentação, o que era crucial para as mulheres que estavam ali na frente, dei apoio logístico”, disse, em relação ao movimento paredista.

O plebiscito foi organizado por uma “comissão independente” que, de acordo com as associações de classe da PM, não tem ligação com essas entidades. O presidente da comissão é o tenente-coronel Wagner Borges, do Corpo de Bombeiros. Ele diz que o projeto não tem relação alguma com a greve. “Não tem nada a ver com o movimento de fevereiro. E não é só para defender a categoria. É um projeto político que busca a linha de direita, voltado para a ética e a disciplina militar, nos preceitos da moral e dos valores da família”, resumiu.

Dois pré-candidatos já contam com o apoio do grupo sem nem terem disputado os votos na consulta feita à categoria. O deputado estadual Da Vitória (PDT) quer uma vaga na Câmara Federal e o ex-deputado federal Capitão Assumção será lançado à Assembleia.

PRESO

Assumção, que é da reserva da PM, estava preso desde o dia 28 de fevereiro até a última sexta-feira, após a revogação da prisão preventiva. Ele responde a um Conselho de Justificação sob a acusação de ser um dos líderes da greve, a Inquéritos Policiais Militares e a ações criminais.

Assumção, hoje filiado ao PMB, ocupou uma cadeira na Câmara de 2009 a 2011, pelo PSB, como suplente do então prefeito de Vila Velha Neucimar Fraga (na época filiado ao PR). O advogado do capitão, Tadeu Fraga de Andrade, nega o envolvimento do militar da reserva no comando da greve. “Ele não teve qualquer participação no controle desse movimento”, afirma.

O plebiscito não é inédito. É uma estratégia para evitar a pulverização de votos, uma vez que é comum que vários militares se lancem na disputa em anos eleitorais.

Em 2014, quando os mesmos cargos estavam em disputa, de acordo com dados do sistema DivulgaCand, da Justiça Eleitoral, 14 candidatos se identificaram como policiais militares, 6 como policiais civis, três como bombeiros militares e oito como militares reformados. Nenhum foi eleito. O campo “ocupação”, no entanto, é preenchido por autodeclaração. Alguns podem ter se identificado de outra forma, como “servidor público”. E outros, que são oriundos da polícia, mas já têm mandato, podem ter se cadastrado como “deputado” ou “vereador” por exemplo.

OPOSIÇÃO

Para Da Vitória, que faz oposição ao governo Paulo Hartung (PMDB), os candidatos apoiados pelos militares serão majoritariamente oposicionistas. Ele também avalia que a redução no número de candidatos garantirá mais chances de vitória nas urnas. “Na última eleição tivemos 33 candidatos. Agora podemos ter dez (levando em contra outros além dos escolhidos no plebiscito). E dez é melhor que 33”, observou.

E quanto aos pré-candidatos processados e até um recém-saído da prisão? O deputado diz que esses fatores podem até ser positivos, uma vez que as punições são vistas por parte da tropa como perseguição política. “Quanto mais perseguido, mais voto vai ter. Não é impedimento legal. Não tem nenhuma restrição para obter registro de candidatura”, pontuou. Como os demais eleitores vão avaliar a situação, essa é uma incógnita que as urnas vão responder.

OUTROS NOMES PODEM CONCORRER POR FORA

Na página do Facebook que divulgou o plebiscito também consta um “termo de compromisso com a tropa”, em que os candidatos que não venceram a consulta se comprometem a não disputar a eleição de 2018. No entanto, nada impede que outros policiais, que não participaram do plebiscito, registrem suas candidaturas. Um exemplo é o vereador da Serra Cabo Porto (PSB). Ele pretende se lançar a deputado estadual. “Está 99% certo com o partido, mas a gente ainda está conversando internamente”, disse. Ele conta que não participou do plebiscito porque o acordo previa que “o projeto político” definiria o partido ao qual o candidato deveria se filiar. “Sou do PSB e tenho mandato. Não quis correr o risco de infidelidade partidária”, afirmou.

Já o coronel da reserva Ronalt Willian, candidato a deputado federal pelo PR em 2014, desta vez não vai entrar na corrida eleitoral. “Não pretendo ser candidato”, afirmou à reportagem. Enquanto isso, o presidente da Associação dos Oficiais Militares, tenente-coronel Rogério Fernandes Lima, diz que recebeu convites de três partidos, mas por enquanto, não se considera candidato: “Tenho que conversar com meus familiares”.

ANÁLISE

 Francisco Albernaz – Cientista Social – UFES 

Há uma tendência, que já existia, de defesa dos interesses puramente da corporação no parlamento. A defesa de políticas de segurança pública é menor em relação aos interesses de classe, como salários. No entanto, isso pode não ser percebido pela maioria dos eleitores e a pauta da segurança pública é um aspecto muito importante hoje na hora de o eleitor definir o voto. Por outro lado, a imagem do policial no Brasil não corresponde aos problemas graves que a profissão enfrenta. É preciso uma estratégia para mostrar para a sociedade a importância de se valorizar a profissão. Isso seria interessante estar na agenda dos candidatos. Em relação à capitalização política da greve da PM no Estado, é preciso ver o grau de identificação do eleitorado. Se é com a imagem do trabalhador que lutou por melhoria salarial ou se a imagem da Polícia Militar piorou devido à greve.

MAIORIA ESCOLHE PARTIDOS FISIOLÓGICOS DE DIREITA

Se as candidaturas de policiais não são uma novidade, o professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Adriano Codato analisou os nomes que disputaram a Câmara Federal nas últimas cinco eleições para traçar um perfil dessas pessoas.

Ao todo, 972 candidatos se declararam integrantes das polícias ou das Forças Armadas entre 1998 e 2014. Como o registro da ocupação é uma autodeclaração à Justiça Eleitoral, pode haver distorções, mas esse é o dado oficial disponível.

“Os que são policiais mesmo ou que vêm das Forças Armadas e são eleitos não chegam a 5% dos 513 deputados”, afirma. Mas alguns se identificam de forma diferente. Os policiais federais, por exemplo, normalmente aparecem como servidores públicos federais.

“A maioria (dos policiais e militares) se candidata por partidos de direita. Em 1998, eram partidos grandes, como o PFL (DEM). Mas depois passaram a ser partidos menores, fisiológicos. Normalmente, quando eleitos, tornam-se políticos profissionais e exploram o problema da violência como ativo. Mas claro que a candidatura deles é legítima como a de qualquer outra profissão”, avaliou Codato.

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