A gravação, obtida com exclusividade por A Gazeta, foi feita após a prisão de Dionathas, dois dias depois do crime
Um vídeo obtido com exclusividade por A Gazeta mostra o primeiro depoimento do executor da médica Milena Gottardi, em que confessa o crime. “Eu atirei nela”, confirma Dionathas Alves Vieira, 23 anos, preso em 16 de setembro, dois dias após o crime. Na gravação, que está anexada ao processo penal que trata do assassinato da médica, Dionathas revela detalhes do crime, inclusive informa quem o contratou.
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O depoimento ocorre logo após a prisão dele, ainda em Timbuí, distrito de Fundão, na Região Metropolitana de Vitória. Muito nervoso, Dionathas chega segurar a mão do policial que o interroga e declara: “Eu atirei nela”. Em um primeiro momento, ele diz que estava “ficando com a médica”, mas, diante da reação dos policiais de que estaria mentindo, decidiu contar uma nova versão: “Fui contratado para pegar ela, pelo Judinho”. Posteriormente, o contratante citado por Dionathas foi identificado como Hermenegildo Palauro, denunciado pela Justiça como um dos intermediários do crime.
Em seguida Dionathas relata que o contratante Judinho morava também na região e o quanto foi prometido a ele de pagamento pela morte da médica. “Ele marcou de me dar R$ 2 mil para pegar ela”, acrescenta o executor, assinalando que não a conhecia. “Nunca a tinha visto”, conta.
Dionathas diz que teve condições de localizar a médica no estacionamento Hospital das Clínicas (Hucam), em Vitória, onde ela trabalhava e foi baleada, porque Judinho informou a ele que Milena utilizava um Ônix prata. “Fiquei esperando ela chegar no carro”, revela.
O assassinato, praticado no dia 14 de setembro, foi encomendado a Dionathas uns 25 dias antes. “Ele só mandou eu pegar ela. Não falou mais nada”, contou, repetindo que o pagamento seria R$ 2 mil. No dia do crime, ele foi a Vitória de moto, seguindo Judinho. A arma foi fornecida a ele no dia do crime. “A arma eu devolvi a ele (Judinho). Entreguei na quinta-feira mesmo. Ele estava comigo, estava de carro”, disse.
Durante o depoimento, Dionathas mostra aos policiais o seu aparelho celular, branco, que também utilizou no momento do assassinato. Quando a médica se aproximava do carro, o executor olhava o aparelho.
No momento da conversa com os policiais, o equipamento tocou e os policiais identificaram que a pessoa que ligava para o executor era o próprio Judinho. Ao ser questionado onde o intermediário do crime estava, Dionathas fala que não sabia. “Fui na casa dele hoje, mas falaram que ele foi para Venda Nova do Imigrante”, diz, relatando ainda aos policiais os seus temores: “Eu tenho medo do Judinho, ele não é flor que se cheira”. O intermediário fugiu e acabou sendo preso dez dias depois, em uma área rural de Minas Gerais.
Quanto à moto utilizada no dia do crime, Dionathas informou aos policiais que ele comprou e que sabia que ela era roubada.
‘É ILEGAL’, DIZ DEFESA
Para o advogado que faz a defesa de Dionathas, Leonardo Rocha, o procedimento adotado pelos policiais durante a prisão do executor, é ilegal e abusiva. “Não está previsto no Código de Processo Penal oitiva (interrogatório) de preso na rua. O procedimento é formal, tem que estar sentado em frente a um escrivão, na presença do delegado e do seu advogado. Um depoimento que pode ser formal ou gravado. Agora, feito na rua, é ilegal e abusivo, em nossa visão”, assinalou.
Ainda assim, acrescenta Rocha, ele confirma as declarações prestadas por Dionathas. “Não obstante a ilegalidade, neste caso concreto, não tira a verdade das afirmações”, disse, afirmando ainda que o seu cliente já tinha a ele relatado que logo após a prisão, os policiais tinham filmado seu depoimento. “O que está no vídeo é o que ele me relatou”.
De acordo com Rocha, Dionathas cometeu um erro grave ao matar uma pessoa. “Conversamos e ele vai assumir a responsabilidade pelo que fez, é o mínimo que pode fazer. Assumir o erro e ajudar no esclarecimento dos fatos”, relata.
Mas, apesar disso, garante que seu cliente tem seus temores. “Ele está com muito medo. Se não tivesse preso, certamente já estaria morto”, conclui.
O CRIME
O crime aconteceu na noite de uma quinta-feira, 14 de setembro. Milena encerrava o plantão no Hospital das Clínicas (Hucam), em Maruípe, Vitória, e seguia para o estacionamento, na companhia de outra colega de trabalho, quando foi abordada por um homem. Elas não reagiram ao suposto assalto, mas foram surpreendidas com os disparos.
Os tiros atingiram a médica, um deles na cabeça. Ela foi socorrida para um hospital particular e teve a sua morte declarada no dia seguinte. Poucas horas após o enterro, no dia 16 de setembro, em Fundão – terra da família Gottardi -, a polícia prendeu quatro suspeitos pelo crime. Além de Dionathas, foram detidos Bruno Rodrigues Broetto, que forneceu a moto usada no crime; Valcir da Silva Dias, intermediário do crime, e o caseiro de um sítio onde a moto foi escondida, que posteriormente foi liberado por não ter envolvimento com o assassinato.
JUSTIÇA ACEITA DENÚNCIA CONTRA ENVOLVIDOS
As seis pessoas denunciadas como as responsáveis pelo assassinato da médica Milena Gottardi, entre elas o ex-marido da vítima, o policial civil Hilário Frasson, são réus em ação penal. A denúncia feita pelo Ministério Público Estadual foi aceita no dia 1º de novembro pelo juiz da 1ª Vara Criminal de Vitória, Marcos Pereira Sanches. Ele determinou ainda que os seis permaneçam presos.
Em sua decisão, o juiz destaca que aceitou a denúncia feita pelos promotores porque houve “comprovação da materialidade do crime”. E mais, de que existe no processo “indícios de autoria e participação em relação aos acusados Hilário Antônio Fiorot Frasson, Esperidião Carlos Frasson, Valcir da Silva Dias, Hermenegildo Palauro Filho, vulgo “Judinho”, Dionathas Alves Vieira e Bruno Rodrigues Broetto, inclusive com individualização da conduta atribuída a cada um deles na prática do crime ali descrito”, assinala.
PRISÃO
Pistolagem e feminicídio
Ao analisar a conversão da atual prisão temporária dos réus para a prisão preventiva, o juiz destacou as características do crime e a periculosidade dos envolvidos no homicídio.
Os fatos, ainda a serem apurados em sua completa extensão no curso da instrução, revelam a possibilidade da existência do denominado crime de pistolagem, que tanto atemoriza o meio social, acrescido de feminicídio, que tem índices epidêmicos no Espírito Santo
E continua: “A forma de execução do crime demonstra que os acusados ostentam periculosidade e contam com personalidade desprovida de sensibilidade moral, sem um mínimo de compaixão humana, não valorizando, destarte, o semelhante de forma a ser possível a convivência social”.
Barbaridade e covardia
O juiz Sanches, na decisão, também lembra das filhas pequenas de Milena e das crianças com câncer que passavam pelos cuidados da médica.
Cometido dentro do estacionamento do próprio local de trabalho da vítima – a qual deixou duas pequenas filhas, além de um sem-número de crianças acometidas de câncer, as quais cuidava no exercício da profissão de médica especializada em oncologia pediátrica e voluntariamente por meio da Associação Capixaba Contra o Câncer Infantil
Sanches ainda complementa e afirma que a prisão preventiva dos réus é necessária “para a manutenção da ordem pública e da credibilidade da Justiça”.
Ameaças contra testemunhas
É informado ainda que no processo existem provas e testemunhos de ameaças e intimidações contra testemunhas. “Consta que parentes da vítima mudaram de endereço por medo do acusado Hilário”.
O juiz destaca que uma testemunha afirmou que, alguns dias após a morte de Milena, Hilário abaixou o vidro da porta do veículo que conduzia e ficou encarando a testemunha, quando ela atravessava a rua em uma faixa de pedestres. “Motivo pelo qual vive amedrontada, tendo informado a um dos investigadores, por meio de conversa em WhatsApp, que, também iria se mudar para outro ente federado, mesmo porque o mencionado acusado havia passado o dia todo anterior ligando para a escola das filhas e estava todo mundo apavorado”, disse o juiz.
‘É meu dia sim’
É descrito ainda na decisão que há relatos de “comportamentos intimidatórios exteriorizados” por Hilário na porta do estabelecimento de ensino das filhas, em trajes comuns e sem qualquer identificação da condição de policial civil. “Portando ostensivamente arma de fogo, e no fato de, após ser indagado se aquele era o dia correto dele buscar as filhas na escola (já que se tratava de uma quarta-feira e o combinado eram às quintas-feiras), erguer a camisa e mostrar a pistola em sua cintura para a professora que o questionou, respondendo: ‘É meu dia sim’”, relata a decisão.
É apontado ainda que no processo há informações sobre a personalidade do ex-marido, dita como “agressiva e possessiva” em relação à vítima. “Inclusive com a solicitação de instalação de câmeras escondidas no apartamento em que residiam, notadamente no interior do quarto do casal e na porta de entrada do imóvel, mesmo após a vítima decidir colocar fim ao casamento, além da narrativa de ameaças por ela sofridas, mormente após a medida judicial de separação de corpos, e do envio de vídeos e mensagens com conotação intimidatória, no qual aparece manuseando e ostentando armas de fogo, o que resultou em intenso sofrimento psicológico por parte da vítima e no pressentimento de futura morte, conforme exteriorizado em carta por ela manuscrita acostada aos autos”.
Dificuldades
A decisão judicial aponta ainda que dois dos réus dificultaram as investigações. É o caso de Hilário Frasson, que se recusou a entregar seu telefone pessoal para que fossem analisadas as conversas dele com a ex-mulher. Segundo o juiz, foi necessário a expedição de um mandado de busca e apreensão para que o aparelho pudesse ser recuperado.
Informa ainda que o pai de Hilário, Esperidião Frasson, é “pessoa temida na localidade de Timbuí”, com envolvimento em outros crimes na região, tanto que o executor do crime, Dionathas Alves, solicitou medidas de proteção na prisão. “Tamanho o temor exteriorizado nos presentes autos que o próprio acusado de ser o autor dos disparos de arma de fogo contra a vítima solicitou medidas especiais de proteção a este juízo. Se o medo aflige quem se encontra recolhido em unidade prisional, quiçá os que não contam com a pronta e imediata tutela estatal e ainda têm que prestar declarações acerca dos fatos mesmo diante desse assombroso cenário”, destaca o juiz.
Há ainda, segundo o juiz, o risco descrito no processo de fuga por parte dos acusados Valcir e Hermenegildo, os quais teriam atuado como “corretores da morte”. Ele informa que Judinho foi preso pela polícia na zona rural da cidade de Aimorés, Minas Gerais e que, apesar de ter esboçado a intenção de se apresentar espontaneamente, acabou desistindo, “Só não fugiu em razão de estar sendo monitorado pela autoridade policial por meio de interceptação telefônica judicialmente autorizada”, assinalou o juiz.
Por fim, destaca em sua decisão, o envolvimento de Dionathas em processos por roubo, receptação, porte ilegal de arma e violência doméstica, além de ser apontado pela polícia como suspeito de envolvimento em outros dois homicídios na cidade de Fundão. “Ademais, afirmou ter praticado crime(s) de roubo com o acusado Bruno, indicando ter personalidade voltada para o crime e dele fazer sua atividade econômica principal, e tanto se torna mais grave quando consta dos autos a informação de que o acusado Esperidião queria a contratação de uma pessoa com ‘referência’, o que reforça a possibilidade apontada pela autoridade policial de estar envolvido em crimes de homicídio ocorridos em Fundão no presente ano que vitimaram Marcela Tonini Soares e Lorrane Clemente Pereira”, diz o juiz.
QUEM É QUEM NO CASO MILENA?
ACUSADOS DE SEREM OS MANDANTES
Hilário Antonio Fiorotti Frasson, 44 anos
Policial civil, ex-marido da vítima e apontado pela polícia como um dos mandantes do crime. Hilário era conhecido na região de Fundão pelo apelido de “advogado”. Junto ao pai, ele teria planejado o crime e decidido quem chamaria para executá-lo. Foi detido no dia 21 de setembro, enquanto trabalhava.
Esperidião Carlos Frasson, 71 anos
Pai do policial civil e proprietário de um sítio em Fundão, ele também é apontado pela polícia como mandante do crime. O idoso teria ajudado o filho a esquematizar a execução da médica. Esperidião foi preso também no dia 21 de setembro, no sítio em que morava, em Fundão.
INTERMEDIÁRIOS
Valcir da Silva Dias
Lavrador, morador de Fundão e apontado pela polícia como intermediário do crime. Ele e Hermenegildo contrataram Dionathas Alves Vieira. Valcir conhecia Hilário e o pai havia mais de 30 anos. A ele não teria sidoi oferecido dinheiro para participar no crime. O pagamento seria uma “camaradagem”, segundo a polícia, algo comum no cenário da pistolagem. Valcir é proprietário de um Gol cinza e estava com Hermenegildo no local e na hora do crime acompanhando o desenrolar dos fatos.
Hermenegildo Palaoro Filho
Peão de boiadeiro, amigo da família Frasson e apontado como intermediário do crime. Junto com Valcir da Silva, contratou o Dionathas Alves Vieira. Assim como Valcir, conhecia os mandantes havia mais de 30 anos e também foi ao casamento de Milena e Hilário. O pagamento seria uma “camaradagem”, segundo a polícia, algo comum no cenário da pistolagem. Junto com Valcir, estava no local do crime acompanhando o desenrolar dos fatos. Hermenegildo está foragido.
EXECUTOR
Dionathas Alves Vieira, 23 anos
Pedreiro e carpinteiro em Fundão, ele teria sido contratado por Valcir e Hermenegildo para executar o crime, segundo a polícia. Ele recebeu a orientação para que tudo parecesse um latrocínio (roubo seguido de morte). Para executar o crime, ele precisava de uma moto roubada, e encomendou o crime ao seu cunhado, Bruno. Os dois partilhariam os R$ 2 mil oferecidos pelos intermediários e que seriam pagos pelos mandantes. A dívida seria quitada após a morte da médica, “quando a poeira baixasse”. Como foram descobertos, a dívida não foi quitada.
No dia do crime, segundo a polícia, ele foi para o Hucam com a moto. Lá encontrou Valcir e Hermenegildo. Entrou no carro deles e recebeu, de Valcir, a arma e a indicação de quem era a Milena. Após o crime, entregou a arma para Valcir e desapareceu. Quando foi contratado como pistoleiro, 25 dias antes do crime, Dionathas estava desempregado. Na semana do crime, ele conseguiu um emprego de pedreiro em uma obra em Maria Ortiz, Vitória. Dionathas foi preso no dia 16 de setembro, tentando fugir.
APOIO
Bruno Rodrigues Broetto
Cunhado de Dionathas, Bruno teria ficado, segundo a polícia, encarregado de roubar a moto utilizada no crime, uma CB 300 vermelha.
Fonte: Gazeta Online