Bananal Online

Crime organizado ganha maior poder financeiro e desafia forças de segurança no ES

Nas últimas semanas, uma série de atos violentos trouxe à tona uma realidade difícil de encarar: o crime organizado no Espírito Santo assumiu um novo patamar, com estrutura que desafia as autoridades.

Na semana passada, em Vitória, tiroteios entre grupos rivais, ligados ao tráfico de drogas, e também dos criminosos com a polícia tiraram o sossego nas comunidades de Andorinhas, Morro do Quadro e Resistência.

Na última quarta-feira (15), até o esquadrão antibombas teve de ser acionado após a descoberta de uma granada, caída em frente a uma escola no bairro Andorinhas.

Em Cariacica, no mês de julho, a auxiliar de serviços gerais Alessandra Aparecida Vieira perdeu mais do que o sossego. Alvejada durante uma troca de tiros entre gangues, ela teve de passar por duas cirurgias.

Alessandra ainda tem um projétil alojado na perna e não sabe quando ou se vai voltar a andar um dia.

“Por causa da violência do bairro, eu parei minha vida. Eu sempre fui uma mulher ativa, trabalhadora, sempre cuidei dos meus filhos. E por causa dessa violência do bairro, agora eu estou em cima de uma cama, dependendo dos filhos, dependendo da ajuda das pessoas, numa cadeira de rodas e sem previsão de quando vou voltar a andar”, lamentou.

Tráfico de drogas segue ativo dentro dos presídios

Foto: Divulgação / Sejus
Mesmo de dentro do presídio, líderes da facção mantinham o controle sobre o tráfico

O crime organizado no Espírito Santo não atua apenas nas comunidades mais carentes. Mesmo quando suas principais lideranças são capturadas pela polícia, o tráfico de drogas continua de dentro dos presídios.

Foi o que apontou uma investigação do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), que resultou na deflagração da Operação Armistício, em julho.

O órgão descobriu a existência de uma rede criminosa com vários advogados, acusados de colaborar com a facção criminosa denominada PCV (Primeiro Comando de Vitória) ou “Bonde do 12”, que domina o tráfico de drogas no Complexo da Penha, na capital.

Mesmo presos na Penitenciária de Segurança Máxima II, em Viana, os líderes da quadrilha continuavam comandando o tráfico na região. Segundo as investigações, alguns contatos com os criminosos fora da cadeia eram feito por meio de videochamadas, utilizando os celulares dos advogados.

Foto: Reprodução TV Vitória
Marujo é o atual líder do PCV fora da prisão

De acordo com o MPES, eles também eram responsáveis por levar bilhetes para o lado de fora. Nesses recados, também conhecidos como “catuques”, havia ordens como um ataque a um grupo de traficantes rivais, incêndio a um ônibus e até uma ordem para a execução de um adversário, que foi consumada.

Além disso, segundo o Ministério Público, os advogados também eram responsáveis por enviar quantias em dinheiro para determinadas pessoas.

As investigações apontaram ainda que, em dois anos, o homem apontado como líder do grupo, Carlos Alberto Furtado da Silva, o “Nego Beto”, recebeu nada menos que 676 visitas de 92 advogados diferentes. Outro líder importante da facção, João de Andrade, o “Paizão”, teve 358 visitas.

O atual líder da quadrilha fora da cadeia é Fernando Moraes Pimenta, o “Marujo”, que continua foragido.

Foto: Reprodução / TV Vitória

Como resultado da investigação, nove advogados estão em prisão domiciliar e os demais respondem a processo.

Força-tarefa para combater o crime organizado

Os acontecimentos recentes levaram o próprio superintendente da Polícia Federal no Espírito Santo, Eugênio Ricas, a admitir que o crime organizado no estado subiu de patamar, com um poderio financeiro nunca visto antes.

Para piorar, as autoridades policiais não possuem um raio-x definido sobre quantas são, qual o tamanho e como atuam as organizações criminosas no Espírito Santo.

“A Polícia Federal tem informações de inteligência, assim como o sistema prisional. E a Secretaria de Segurança Pública, que compartilha informações conosco, também tem essas informações. Mas isso não é agregado, isso não é trabalhado de uma forma compartilhada e integrada efetivamente”, destacou Eugênio Ricas.

Para tentar reverter a desvantagem, nesta segunda-feira (20) foi anunciada a criação de uma força-tarefa, nos moldes do que já existe em Minas Gerais e Roraima, mas com uma novidade: a inclusão das guardas civis municipais no grupo, que terá ainda as polícias Federal, Rodoviária Federal, Militar e Civil, além da Secretaria Estadual da Justiça (Sejus).

“Aqui no Espírito Santo, a gente tem características muito especiais por parte das guardas municipais. A Guarda Municipal de Vitória tem um efetivo muito experiente, que contribui muito para a segurança pública. A mesma coisa acontece em Vila Velha. Nós temos cinturões eletrônicos de monitoramento. São câmeras que vão ajudar muito. E no sistema prisional há muitas informações ali de organizações criminosas, informações que às vezes acabam se perdendo no ambiente de segurança pública”, frisou Ricas.

“Isso, para o trabalho que pretende ser feito pela força-tarefa, de identificação da cadeia inteira das organizações criminosas, é importantíssimo. A gente não pode abrir mão desse volume de informações. Daí essa iniciativa pioneira no Espírito Santo, de agregar também a esse trabalho o sistema prisional”, completou.

A promessa é que, até dezembro, a força-tarefa entre em funcionamento. A Guarda Municipal de Vitória foi a primeira a assinar o acordo de cooperação.

“Eventualmente, uma informação do sistema penitenciário, da Polícia Federal ou da Polícia Rodoviária Federal vai chegar muito mais rápido àquele agente da guarda que está lá na ponta, fazendo, por exemplo, o policiamento preventivo, fazendo a sua jornada ordinária de trabalho. E essas informações são as que fazem a diferença”, ressaltou o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini.

Foto: Reprodução TV Vitória

Enquanto a força-tarefa não sai do papel, nas comunidades que vivem sob o império do tráfico, a realidade segue a mesma: criminosos que aliciam menores, exibem armamento pesado e seguem desafiando o Estado. Lugares onde o risco é tão frequente quanto o medo.

“Essas pessoas que fizeram isso não fizeram diretamente em mim, para mim. Isso tudo está sendo causado por guerras, e essas guerras têm que acabar”, afirmou Alessandra Aparecida Vieira.

Fonte: Folha Vitória
Sair da versão mobile