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Decreto que facilitou porte permite compra de armas antes restritas a polícia e Exército

Armas com potencial lesivo maior

Um levantamento preliminar do Instituto Sou da Paz prevê que pelo menos 19,1 milhões de pessoas poderão, agora, ter acesso a armas de forma legal no país.

Um decreto editado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso há 19 anos definia quais eram as armas de calibre restrito e de calibre permitido. Cidadãos poderiam comprar apenas armas curtas em que a energia cinética do disparo chegasse até 407 joules na saída do cano, como revólveres de calibre 32 e 38 e pistolas calibre 380, além de espingardas de alma lisa (sem raiamento interno no cano).

A energia cinética é calculada em função do peso da munição e de sua velocidade ao ser disparada – e pode variar, dependendo prolongamento do cano da arma e de outros fatores, como o próprio tipo de munição utilizada.

A partir de agora, várias categorias de pessoas civis poderão adquirir e portar com facilidade armas com potencial lesivo muito maior – com energia cinética três vezes superior ao que era permitido até então – e de até 1620 joules.

Entre as armas que eram de uso restrito e que agora poderão ser adquiridas estão:

  • pistolas de calibres 357, .40 (usado pelas polícias), 9 mm (de uso de polícias federais) e .45 (empregado pelos militares do Exército, por exemplo);
  • e revólveres calibre 44 e carabinas semiautomáticas de calibres .40 e 9mm, usados por equipes de forças táticas das polícias no combate ao crime organizado nas ruas de grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro.

Continuam totalmente proibidas – e de uso restrito – armas longas de grosso calibre e potencial lesivo, como fuzissubmetralhadoras e metralhadoras de calibres .30 e .50 – que são de uso restrito das Forças Armadas. mas que são utilizadas também por criminosos para assaltos a carros-fortes.

Indústria de arma prevê aumento de vendas

Além de facilitar o acesso à população de armas antes de uso restrito, o decreto de Bolsonaro possibilita de forma mais prática o registro, a venda e a importação de armas, que atualmente é proibida e tem restrições até mesmo para policiais, em caso de haver similares no Brasil.

Agora, a importação está liberada.

Mesmo assim, o decreto foi comemorado pela indústria armamentista brasileira, que prevê aumento nas vendas no mercado nacional.

“Este é um momento muito importante para o segmento no Brasil, de fato. Óbvio que estamos comemorando, porque nos preparamos durante muito tempo para atender um a possível flexibilização no mercado”, afirmou Salesio Nuhs, presidente da Forjas Taurus, empresa brasileira que produz armas.

“Temos uma linha completa de produtos que não conseguíamos vender no país devido à política restritiva. Há uma demanda reprimida que podemos atender de imediato. Qualquer que seja o percentual [de aumento nas vendas], temos a condição de atender de imediato.”

Em uma fábrica no Rio de Grande do Sul, a Taurus produz 4 mil unidades por dia. Em outra sede, nos Estados Unidos, a produção da companhia, de 400 mil armas por ano, está dobrando de capacidade.

Na quarta, quando o decreto foi sancionado, as ações da Taurus dispararam na Bovespa, com alta de 23,51%.

Críticas ao decreto

O decreto gerou debates entre especialistas, ativistas e integrantes de forças de segurança, sem consenso sobre o impacto que ela trará para a sociedade.

Para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, por exemplo, a “medida é claramente uma tentativa de driblar o Estatuto do Desarmamento (…) e ignora estudos e evidências que demonstram a ineficiência de se armar civis para tentar coibir a violência em todos os níveis”.

Críticos entendem que o armamento comprado de forma legal, além de poder eventualmente abastecer o crime organizado, poderá elevar o número de homicídios nas cidades.

“As pessoas terão acesso a praticamente todas as armas portáteis em caráter geral, inclusive as de calibre mais elevado que as policiais usam, como .40. As pessoas vão ter armas, inclusive, que as polícias não têm”, afirma o coronel José Vicente da Silva Filho, que atuou como secretário Nacional de Segurança Pública nos anos de FHC.

“O risco é grande de essas armas serem roubadas, levadas. Além disso, vai morrer muito mais gente.” O coronel prevê que a venda em massa de armamento deve gerar, no curto prazo, um aumento de até 20% no número de mortes no país.

Outro ponto importante do decreto, segundo o coronel, é a possibilidade de cada cidadão com porte de arma poder comprar até 5 mil munições por ano por arma de uso permitido. “Os policiais, em treinamento, dão 200 tiros por ano. É muita munição e muita arma. Estamos nos preparando para uma guerra”, afirmou.

O Instituto Sou da Paz também criticou o decreto, afirmando que há “enorme potencial de piorar a já grave situação da segurança pública no país”.

Além de apontar inconsistências legislativas no texto, defendendo que a mudança atinge limitações impostas no Estatuto do Desarmamento, editado por lei em 2003, o instituto avalia que a ampliação do porte de armas para diversas categorias ocorre “arbitrariamente”.

Apoio ao decreto

Já o coronel da reserva do Exército Carlos Vella, que é instrutor de tiro, vê a mudança como positiva.

“As armas que eram restritas agora são permitidas, foi aumentado o acesso de armas de maior potência às pessoas de bem. A bandidagem usa fuzil, faz pirotecnia”, diz Vella. Segundo o oficial, “não é porque o acesso é permitido, que as pessoas vão sair comprando”.

“Para posse e porte de arma, é preciso equilíbrio emocional, fazer um bom curso de tiro, aprender corretamente. Até porque, em um tiroteio, você terá responsabilidades de não acertar uma pessoa inocente.”

Ele admite, porém, que “quanto maior a potência da arma, maior o perigo”.

Salesio Nuhs, o presidente da Taurus, não vê aumento do risco em função do maior acesso da população a armas de maior calibre.

“O calibre não é o mais importante. O mais importante é a responsabilidade que a pessoa tem a se armar, os atos e as consequências que ela tem devido àquela arma. Eu acho uma bobagem tremenda quando falam que quanto mais armas, mais crimes”, afirma.

“O que ocorria é que, até ontem, o bandido, o ladrão tinha certeza que as pessoas não tinham armas. Agora, eles também têm está dúvida, se a pessoa comprou ou não. E a dúvida beneficia o cidadão.”

FONTE: G1 ES

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