Já havia muitas evidências e agora novas testemunhas acusam soldados chineses de violentar prisioneiras da minoria uigur. Tursunay Ziawudun disse à BBC que foi torturada e estuprada pelo menos três vezes por um grupo de chineses. Outra testemunha, que ficou detida por um ano e meio, afirmou aos jornalistas britânicos que os soldados a “forçavam a tirar a roupa das mulheres, amarrá-las na cama e deixar o quarto”.
Os uigures são uma das 55 minorias étnicas da China. São nativos de Xijiang, uma região autônoma no noroeste do país, que faz fronteira com o Paquistão e o Afeganistão. Dos quase 14 milhões de uigures espalhados por vários países da Ásia Central, 12 milhões estão na China. Eles tem uma antiga reivindicação por uma nação independente.
Desde que assumiu o comando da segunda maior economia do planeta, o presidente Xi Jin Ping implantou o que o governo chinês propagandeia como “campos de reeducação profissional”. Pequim alega ser uma estratégia contra o radicalismo islâmico na região que, segundo o governo, teria envolvimento da Al Qaeda e de militantes islâmicos do Afeganistão.
Na prática, segundo observadores internacionais, o que acontece é muito mais que uma operação de combate ao terrorismo. A China é acusada de promover uma campanha de tortura em massa e de suprimir a cultura dessa minoria, principalmente a religião. Os uigures são muçulmanos e falam o uigur, uma língua turcomana.
Em julho de 2019, documentos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos revelou a disciplina rígida nos campos usados para manter presos mais de 1 milhão de homens e mulheres uigures. Um deles aborda os critérios usados pra julgar os internos: “a transformação ideológica, o estudo e a capacitação, assim como o cumprimento da disciplina”.
Outras testemunhas que fugiram da região já tinham revelado sessões de tortura com choques elétricos e castigos pra quem falar a língua local ou usar símbolos islâmicos. Também há denúncias de punições para quem não consegue falar o mandarim, principal idioma do país. A China mantém uma grande estrutura de vigilância na região e dificulta ao máximo o trabalho da imprensa independente.
Sobre as novas revelações da BBC, o governo chinês disse que “não há ataques e abusos sexuais sistêmicos contra as mulheres” e que o país segue as normas internacionais de direitos humanos. “A China é um país com leis. Nossa constituição garante e protege os direitos humanos e isso está incorporado no nosso sistema jurídico”, disse Wang Wenbin, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores.
Do outro lado do mundo, o tom foi outro. Nigel Adams, secretário para a Ásia do Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido, disse que a reportagem mostrou “claramente atos demoníacos”.
“Profundamente perturbadoras”, foi a reação dos Estados Unidos, cuja porta-voz disse que “essas atrocidades devem ter sérias consequências”. A situação dos uigures é uma das convergências das administrações Donald Trump e Joe Biden na política externa. No mês passado, pouco antes de deixar a Casa Branca, o governo republicano acusou a China de genocídio na repressão aos uigures. A declaração foi endossada pelo novo governo democrata.