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Deputados versus Secretários

“Todo mundo sabe que Vandinho é candidato a deputado estadual. Ele só passou a convidar os deputados para os lançamentos dos cursos depois de muita reclamação”, afirma Bruno Lamas.

Foto: Amarildo

A praticamente um ano da próxima eleição, a tensão pré-eleitoral já se manifesta com força na Assembleia Legislativa. A semana foi marcada por mais um capítulo da briga entre deputados e secretários do governo Paulo Hartung considerados potenciais adversários dos atuais parlamentares, em 2018, por cadeiras na própria Assembleia ou na Câmara Federal. No capítulo anterior, o motim de deputados da base aliada de Hartung custou o cargo ao então secretário de Esportes, Max da Mata (PDT), substituído no início de agosto. Desta vez, a bronca dos parlamentares se concentra em três nomes, sendo canalizada sobretudo para o secretário de Ciência e Tecnologia, Vandinho Leite (PSDB).

Os outros dois são o secretário de Agricultura, Octaciano Neto, e o chefe do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-ES), Enio Bergoli. Segundo os deputados descontentes, a dupla estaria usando a estrutura das respectivas pastas para fazer campanha antecipada, em uma maratona de entregas de estradas, pontes e barragens pelo interior do Estado, sem prestigiar os deputados das regiões contempladas nos referidos atos.

Mas as acusações mais duras desta vez ficaram mesmo reservadas a Vandinho, nomeado por Hartung em março para o comando da secretaria que tem como objetivo central fomentar a pesquisa científica no Espírito Santo. Sem ligação com o meio acadêmico, Vandinho é um político nato, considerado candidatíssimo a uma vaga na Assembleia por todos os deputados, embora ele mesmo negue ter tomado qualquer decisão a esse respeito. Na última terça, Vandinho foi o alvo maior de deputados como Enivaldo dos Anjos (PSD), Euclério Sampaio (PDT) e Bruno Lamas (PSB).

Ao contrário do DER-ES e da turbinada Secretaria de Agricultura, a pasta assumida pelo ex-deputado estadual e ex-vereador da Serra não tem histórico de proporcionar a seu ocupante entregas e projetos populares que lhe deem visibilidade. Isso mudou radicalmente desde maio, coincidindo com a chegada do novo secretário. O nome completo da pasta é longo: Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e… Educação Profissional. E é justamente nessa última perna que Vandinho tem atuado fortemente, naquilo que, para muitos deputados, constitui uma mina de votos: o programa OportunidadES. Lamas, Euclério e outros pares acusam o virtual adversário de usar o programa como palanque e trampolim eleitoral, “trocando bolsas por votos”.

Sem entrar no mérito das acusações, é inegável que o programa tem grande apelo popular e capilaridade: no momento em que os cidadãos de baixa renda sofrem com o desemprego, a secretaria de Vandinho tem oferecido uma profusão de cursos relâmpago gratuitos de capacitação profissional voltados para esse segmento populacional. Os minicursos prometem qualificação em alguma atividade específica que permita ao participante alimentar a esperança de reinserção no mercado de trabalho informal.

Segundo o próprio Vandinho, o sucesso do OportunidadES tem sido “fora do comum”. “Hoje temos 35 mil alunos em todo o Estado nos cursos a distância e até 15 mil nos presenciais. Até o fim do ano, a meta são 45 mil a distância e 20 mil presenciais”, diz o secretário. Pelas suas contas, cerca de 50 bairros da Grande Vitória serão atendidos em 2017. Enquanto ele vibra com esses números, a proposta e a condução do programa têm incomodado muito na Assembleia.

“Houve insurgência do pessoal da base”, constata Euclério, deputado com reduto em Vila Velha. “O Vandinho está distribuindo 40 mil bolsas em um curso fajuto e está fazendo campanha antecipada em Cariacica, Vitória, Vila Velha e Serra. Não está pedindo voto explicitamente, mas está se promovendo e usando a máquina em troca de votos, com a ajuda de líderes comunitários.”

Concorrente direto de Vandinho na Serra, Lamas vai além: “Ele tem que ter muita cautela e o governo do Estado também. Existem secretarias funcionando de forma 100% política. No caso desse programa, não há transparência nenhuma. Quais são os critérios de matrícula? Eles soltam os cabos eleitorais nos bairros e falam ‘o cara está trazendo um curso e vai te dar emprego’. Para mim, isso é crime. O programa está desvirtuado. Qual a formação do secretário? Onde está a meritocracia? Qual é a eficácia desses cursos de 15 dias?”, questiona.

A atuação de todo secretário sempre tem algum viés político, em maior ou menor grau. Existe uma linha tênue entre o que é autopromoção e o que é, simplesmente, “trabalhar direito”. E é consenso que, se fizer seu trabalho bem feito, um secretário com entregas na mão e que queira ser candidato larga em vantagem sobre os parlamentares na corrida eleitoral. A preocupação com essa “competição desigual” já tem ditado o tom da tensão na Assembleia. Se a esta altura o clima está assim, imaginem daqui a alguns meses, às vésperas da campanha.

ENTREVISTA

No início da noite de sexta, Vandinho Leite concedeu esta entrevista enquanto se preparava para um compromisso: a formatura de alunos do OportunidadES no bairro Castelo Branco, Cariacica. Na quarta, participara da aula inaugural para 300 pessoas em Jardim Asteca, Vila Velha; na quinta, foi à formatura de 210 alunos em Rosa da Penha, Cariacica; no sábado, outra formatura, dessa vez em Nova Rosa da Penha 2. Esse é seu ritmo atualmente. Embora ninguém creia, Vandinho não se diz candidato. Mas é certo que a coordenação do OportunidadES está lhe dando vitrine rara e uma inserção em bairros populares de dar inveja (e está dando) a concorrentes. Abaixo, o secretário explica melhor o programa.

Em que consiste exatamente o programa? Quais os objetivos?

É um projeto de qualificação profissional em que utilizamos o Vasco Coutinho, onde funcionam cursos técnicos de um ano e meio e de dois anos. O que fazemos é pegar esses cursos e subdividi-los em aproximadamente 100 cursos de qualificação profissional para as comunidades. Quem monta esses cursos é toda uma equipe de pedagogos e professores com elevada formação técnica, todos eles com mestrado e doutorado. É lógico que, como secretário, o programa está vinculado a mim. Mas quem está no dia a dia, quem formula todo o projeto pedagógico e faz a certificação é o Vasco Coutinho.

Onde e como o OportunidadES funciona?

A Pnad da semana passada indica uma tendência de aumento do emprego informal no Brasil, mesmo diante da crise. Já a Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula que 42% dos brasileiros serão autônomos ou empreendedores individuais no mercado de trabalho este ano. Por isso, boa parte dos cursos que oferecemos são orientados para as quatro áreas que o Sebrae orientou como as melhores para se empreender: beleza, alimentação, negócios digitais e customização. Então, o curso de Gastronomia do Vasco Coutinho, que tem duração de um ano e meio, se subdivide em vários cursos específicos com carga horária menor, de preparação de salgado, panificação, bolos artísticos… Os presenciais duram 40 horas, enquanto os cursos a distância duram 80 horas. No caso dos cursos a distância, há todo um ambiente virtual de aprendizado. Já nos presenciais, hoje estamos na Grande Vitória. Vamos passando nas comunidades, principalmente bairros da periferia, e damos os cursos em escolas públicas, igrejas, nos Cras…

Qual é o perfil dos participantes?

O projeto é totalmente gratuito para a população. Nos bairros do Ocupação Social, os mais violentos da Grande Vitória, utilizamos os critérios do Ocupação, que tem muito a ver com atender o jovem, e quem faz a seleção é a Secretaria de Direitos Humanos. Nos que não fazem parte, todas as inscrições são on-line, e a seleção é por ordem de inscrição.

Deputados acusam o projeto de ter caráter eleitoreiro. Questionam o poder real de capacitar alguém em cursos tão curtos. Alegam, ainda, que estaria havendo uma reserva de bolsas em troca de votos ao senhor daqui a um ano, por meio de contatos com líderes comunitários e cabos eleitorais nos bairros contemplados.

Isso não tem nenhum procedimento. Quem faz a seleção é a Escola Técnica Vasco Coutinho. A participação popular no projeto é algo fora do comum. É um projeto que tem um resultado fantástico e, se não tivesse qualidade altíssima, as pessoas não o procurariam. Tem muitos deputados que estão conosco, presentes nas aulas presenciais e nas formaturas, e que conhecem a importância do projeto. Estou de portas abertas para qualquer deputado ou outras pessoas que queiram conhecer melhor o OportunidadES.

O senhor é mesmo candidato a deputado estadual?

Não sei se serei candidato. Primeiro tenho que decidir isso. Depois, se eu decidir ser, tenho que decidir candidato a quê…

Fonte: Gazeta Online

 

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