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Descaso com famílias que dependem do programa Minha Casa, Minha Vida

O projeto é do ano eleitoral de 2012. Previa 500 casas para famílias pobres, com renda de até R$ 1.600 mensais. Hoje, o cenário mistura abandono, depredação e desgoverno. Cinco anos e duas eleições depois, mato e prejuízos emolduram o condomínio Solar de São Mateus, que fica na cidade de mesmo nome, no bairro Aroeira. Ele é um dos empreendimentos do programa Minha Casa Minha Vida no Estado – o único assumidamente parado pelo governo federal.

Segundo moradora do Solar São Mateus, os militares foram convidados a vir fazer a segurança. Aqui só havia dois vigilantes, que foram assaltados

Dados oficiais do Ministério das Cidades dão conta de que 81,25% das obras no local já foram feitas. O valor contratado para o conjunto foi de R$ 25 milhões. Contudo, quase todas essas futuras residências estão abandonadas. E isso não é um caso isolado.

Em 49 municípios do Espírito Santo, atrasos e deficiências caracterizam as obras do Minha Casa Minha Vida, uma das principais marcas dos governos Lula-Dilma-Temer.

Em meio à crise política, cortes no orçamento e propostas de aumento de impostos, o programa se tornou uma das principais vitrines do governo federal, principalmente do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Sem obras importantes a ponto de serem entregues, o então governo apostou as fichas no programa habitacional.

PROBLEMAS

O condomínio de São Mateus, que é o único que consta como “paralisado” no Espírito Santo, e constatou uma situação atípica. Nos dois primeiros lances de casas, que ficam na frente do condomínio, a total destruição é perceptível. Em cerca de 40 imóveis falta até mesmo reboco nas paredes. Telhados, portas e fiações foram levadas.

Adentrando o terreno, vê-se o contraste: ao menos 17 casas estão finalizadas, inclusive com acabamento, e há pessoas morando nelas.

Casa do programa Minha Casa Minha Vida, no condomínio Solar de São Mateus, não são entregues à população e são consumidas pelo mato
Casa do programa Minha Casa Minha Vida, no condomínio Solar de São Mateus, não são entregues à população e são consumidas pelo mato

Esses moradores são policiais civis e militares, que passaram a viver no local de graça, em troca de ajudar na segurança do terreno, inibindo a ação de vândalos. Alguns deles já se instalaram há três anos, desde que as obras pararam, após a construtora responsável, a Urbanvix, ter falido e abandonado o projeto.

“Um dos responsáveis pela empresa procurou os policiais para virem para cá. Eles não recebem nada para estar aqui. Também não foi prometido que a casa vai passar a ser nossa. Mas agora acabaram os furtos, as drogas e a destruição”, contou uma moradora, esposa de um policial, que não quis se identificar.

Em outra quadra, há seis casas com pichações na fachada, aparentemente identificando pessoas, como “PC Tadeu” e “PC Leo”, por exemplo.

R$ 25 milhões

Era o valor previsto para a construção das casas do Solar São Mateus

LOCAL IMPRÓPRIO

Além do abandono, defeitos no projeto do Solar São Mateus fazem o desperdício de dinheiro público investido no empreendimento ser ainda maior. Há pelo menos 40 casas construídas em uma área de vale, abaixo de um barranco, em local que dificilmente terá condições de ser habitado.

“Quando chove, a água desce toda para lá, sobe cerca de 1 metro, fica igual uma piscina. Não tem como ninguém morar lá, não vai ter restauração que resolva”, frisou outra moradora do condomínio.

RESPONSÁVEIS PELA OBRA SILENCIAM

Após a rescisão do contrato com a construtora Urbanvix, o empreendimento Solar São Mateus foi devolvido à Caixa Econômica Federal. A instituição e a empresa foram procuradas para explicar a situação de abandono do condomínio, mas não fizeram nenhuma manifestação.

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PARECE QUE VAI SER ENTREGUE?

Após incontáveis adiamentos, a expectativa de finalmente receber a casa própria não deixa de estar presente na vida das famílias selecionadas pelo programa Minha Casa Minha Vida. Ao percorrer os municípios, constata-se que os problemas dos atrasos nas obras se repetem. A opção por terrenos baratos, em áreas onde não há infraestrutura para as construções, torna as obras ainda mais complexas.

Em Linhares, a caminho de Pontal do Ipiranga, estão dois dos empreendimentos iniciados há mais tempo no Estado e ainda não entregues: o Residencial Rio Doce, com 600 casas, e o Mata do Cacau, com 917. Com contratos assinados em 2010, a previsão de término das obras era março de 2012. Juntos, somam investimentos de R$ 62 milhões.

49 municípios capixabas

São os que possuem obras do MCMV inacabadas

O antigo proprietário dos terrenos é o ex-prefeito da cidade, Nozinho Corrêa, que é alvo de investigações por suspeitas de irregularidades na venda deles. A Justiça chegou a embargar a construção em 2012 e a entrega das casas ficou condicionada à implantação de um sistema de diques, para impedir alagamentos, que já está pronto. O empreendimento está a 5,25 metros do nível do Rio Doce, enquanto a cota de inundação é de 3,80 metros.

No local não havia funcionários trabalhando, apenas vigias, enquanto as casas, aparentemente prontas, estão cercadas por mato alto. Agora, a promessa da Caixa é de que eles sejam entregues até o fim deste ano. O Residencial Rio Doce consta como 96% concluído, e o Mata do Cacau como 85% executado.

ESPERA ATINGE QUASE 25 MIL FAMÍLIAS

A excessiva fragmentação de responsabilidades entre governos, agentes financeiros, empresas subcontratadas para gerenciar projetos e construtoras tem resultado em atrasos e deficiências nas obras do Minha Casa Minha Vida pelo Estado.

Hoje, 24.723 famílias esperam pela conclusão de suas casas, em 74 empreendimentos que ainda não estão prontos no Estado.

Luciana Pereira dos Santos, dona de casa, moradora do bairro Olaria, em Linhares, aguarda receber a sua casa do programa Minha Casa Minha Vida

A Caixa não revela quais desses condomínios atropelam o tempo previsto para conclusão. Esse período varia de acordo com a complexidade e o porte do empreendimento. Em 57 locais, os contratos já foram assinados há mais de dois anos, tempo suficiente para haver um andamento considerável.

Além disso, há seis empreendimentos com menos de 5% das obras realizadas, sendo que todos os contratos são de 2012 ou 2013.

Com uma renda mensal de R$ 1.300 para sustentar a família de oito pessoas, entre filhos e netos, o auxiliar de serviços gerais Luiz Pereira da Rocha não vê a hora de receber sua “casinha”, no condomínio Rio Doce, em Linhares.

Luiz Pereira da Rocha, 50, auxiliar de serviços gerais, a esposa dele, Iracilda Pereira dos Santos, 50, dona de casa, e os filhos, Bruna, Rafael, Josué e Samuel, são moradores do bairro Movelar, em Linhares. Eles aguardam a entrega de uma casa do programa Minha Casa Minha Vida no município

Desde 2013, a família dele foi selecionada pela prefeitura. “Hoje vivemos do aluguel social, esta casa não é nossa. E ninguém informa ao certo quando a casinha vai sair. Vivemos na incerteza”, relatou.

Ele lembra que a população local já colocou fogo na estrada e tentou invadir o condomínio, cansada de tanta espera.

A dona de casa Luciana dos Santos também acumula anos de expectativas pelo imóvel. Hoje, ela paga um aluguel de R$ 100 pela casa onde mora. Mas após seu filho ter ficado desempregado, teme passar ainda mais dificuldades. “A gente quer morar no que é da gente”, desabafou.

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