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Enrolados com a justiça são homenageados no ES

Assembleia Legislativa concedeu honrarias a figuras controversas

Prática comum em Legislativos espalhados pelo Brasil, a distribuição de comendas é destinada a homenagear pessoas ou instituições que supostamente prestaram serviços relevantes para a sociedade. Na Assembleia Legislativa do Espírito Santo não é diferente e ela também costuma conceder bastante honrarias por aqui. Apenas em 2017 foram 628.

Nos últimos 10 anos diversos atores importantes da política nacional foram agraciados pela Assembleia, muitos deles, hoje, estando às voltas com a Justiça, seja respondendo a processo, seja já condenados, o que coloca o parlamento capixaba em um dilema de manter ou não as honrarias.

Entre os que ganharam condecorações e tiveram a história manchada posteriormente, estão os ex-governadores do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e Anthony Garotinho (PR); o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT); o presidente Michel Temer (PMDB); e o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Com quatro condenações em processos decorrentes da Operação Lava Jato, respondendo a outros 13 na Justiça Federal carioca e preso há um ano, Cabral recebeu as duas maiores honrarias capixabas antes de viver seu inferno astral. Em 1999, quando era presidente da Assembleia do Rio, ganhou o título de cidadão espírito-santense, proposto pelo ex-deputado Marcos Gazzani. Em 2011, foi a vez do também ex-deputado Roberto Carlos sugerir a comenda Domingos Martins para o então governador Sérgio Cabral.

Outro ex-governador do Rio, Garotinho foi condenado e preso em setembro pela prática dos crimes de corrupção eleitoral, associação criminosa, supressão de documento público e coação durante o processo. Solto, foi preso preventivamente em novembro, em meio a uma operação que investigava compra de votos, mas ganhou a liberdade novamente no último dia 21. Em 2005, ele recebeu o título de cidadão espírito-santense por meio do ex-deputado Jurandy Loureiro.

Condenado no caso do triplex de Guarujá (SP) e réu em mais cinco ações penais, Lula também se “tornou” capixaba em 2009, em proposição feita pelo ex-deputado Claudio Vereza. Um novo título de cidadão chegou a ser proposto pelo deputado José Carlos Nunes (PT), em novembro, que também queria conceder a “Domingos Martins” para o presidenciável. As críticas surgidas devido à situação de Lula com a Justiça fizeram com que a Assembleia recuasse e desistisse das homenagens. A Casa já havia publicado a concessão da comenda.

Denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por organização criminosa e obstrução da Justiça, porém “absolvido” pela Câmara, que não permitiu que o Supremo Tribunal Federal (STF) desse seguimento ao processo, Michel Temer possui as duas maiores honrarias capixabas. Em 2007, recebeu o título de cidadão proposto pelo ex-deputado Sérgio Borges e, em 2013, já como vice-presidente, recebeu a comenda Domingos Martins por proposição da Mesa Diretora.

O senador Aécio Neves recebeu o título de cidadão em 2007, proposto pela deputada Luzia Toledo (PMDB) e, em 2001, a Domingos Martins, proposta pelo ex-deputado Juca Alves. O peemedebista foi flagrado em gravação pedindo R$ 2 milhões em propina ao ex-presidente da JBS, Joesley Batista, e é o político que possui a maior quantidade de pedidos de investigação na Lava Jato – assim como Romero Jucá (PMDB). A gravação de Joesley veio a público em maio deste ano.

Agência Câmara
Agência Câmara
Agência Câmara

Revogação

O deputado Sergio Majeski (PSDB) protocolou em novembro projeto para a revogação dos títulos de cidadania de Aécio, Lula e Temer; e das comendas Domingos Martins de Aécio e Michel. “Quem causar prejuízo, ao país ou ao Estado, tem que ter as comendas cassadas”, disse Majeski.

Análise

Não entendo ser pertinente revogar as honrarias, uma vez que os contemplados não tinham problemas com a Justiça na ocasião da homenagem. Mas estamos vivendo a maior crise política e ética da nossa história e as Assembleias deveriam dar exemplo em não homenagear ninguém com pendências jurídicas comprovadas. As comendas sempre fizeram parte da política brasileira e, por muito tempo, a concessão delas era a única coisa que os parlamentares faziam durante todo o mandato. É preciso ter critério para homenagem, para quem de fato presta serviços relevantes à população e deixar de ser moeda de troca.

Os “mimos” concedidos pela Assembleia


Título de Cidadão Espírito-Santense

Destinada a homenagear quem não nasceu no Espírito Santo, mas contribuiu para o desenvolvimento do Estado. A honraria, porém, não prevê nenhum tipo de privilégio aos condecorados.

Comenda Mérito ao Dentista Capixaba Doutor Gilton Coutinho Barros

Homenageia os profissionais e leva o nome de um dentista responsável pela formação de gerações deles no Estado.

Medalha Ewerton Montenegro

Homenageia personalidades que se destacam na valorização dos direitos humanos. Leva o nome do advogado falecido, um dos fundadores do Fórum Reage Espírito Santo, criado em 2001.

Medalha Grazielle Loureiro

Destinada a homenagear jornalistas e integrantes da área da comunicação no Espírito Santo. Leva o nome de uma jornalista falecida em 2007 vítima de um acidente automobilístico.

Medalha Mario Gurgel

Homenageia pessoas que lutam em defesa da criança, adolescente, idosos e deficientes físicos. Leva o nome do rondonense naturalizado capixaba, que foi destaque na vida política e cultural capixaba.

Comenda Juiz Alexandre de Castro Filho

Juiz Alexandre Martins, assassinado em 2003
Foto: Arquivo / TV Gazeta

Destinada a homenagear aqueles que atuam no combate ao crime organizado. Leva o nome do juiz assassinado em 2003.

Comenda Julio Biancucci

Destinada a homenagear os profissionais que atuam nas áreas de hotelaria, turismo e gastronomia. Leva o nome de um antigo chefe de cozinha capixaba.

Comenda do Mérito Turístico Marcelo Valladares Nader

Homenageia personalidades que se destacam na prestação de serviços turísticos. Leva o nome de um empresário do ramo de hotelaria já falecido.

Em 10 anos, 3 mil horanrias

Levantamento feito por A GAZETA por meio do portal da transparência da Assembleia Legislativa revelou que, em um intervalo de 10 anos (2007 a 2017), a Casa distribuiu mais de 3 mil honrarias para pessoas pela prestação de serviços relevantes para o Espírito Santo.

Só das duas principais homenagens foram entregues 973 condecorações durante o período – 536 títulos de cidadão espírito-santense, dedicado a quem não nasceu no Estado, mas contribuiu para o desenvolvimento local; e 437 comendas Domingos Martins, que homenageia personalidades e instituições que se destacaram “no saber, cultura e serviços de relevância no Estado”.

Mais 2 mil comendas específicas foram direcionadas a pessoas de áreas profissionais, religiosas, esportivas, entre outras.

Assembleia Legislativa
Foto: Tati Beling/ALES

Banalização

“Acredito que a entrega das honrarias é importante, existe a necessidade de homenagear pessoas que de fato prestam serviços relevantes ao Estado, independentemente de status, benefícios, pessoas que tiveram de verdade o prazer de contribuir”, defendeu o cientista social Joilton Rosa, para depois ponderar: “O ruim é quando se desvirtua, quando a comenda passa a ser simplesmente uma troca de favores, quando entrega a pessoas próximas, que tenham algum vínculo político. Não se deve banalizar a entrega delas, não deveriam estar ligadas a benefícios a apadrinhados”.

Para entregar 628 honrarias em 2017, foram realizadas 72 sessões solenes na Assembleia. A Casa gastou ainda este ano R$ 60 mil com a confecção de títulos, diplomas, certificados e capas.

Assembleia não pretende revogar

Apesar de um projeto tramitar na Assembleia pedindo a revogação de comendas que foram ofertadas ao presidente Michel Temer (PMDB), ao ex-presidente Lula (PT) e ao senador Aécio Neves (PSDB), hoje, na Casa, não existe nada que retire homenagens a pessoas que de alguma forma se comprometeram com a Justiça após o recebimento de honrarias.

O presidente do Legislativo estadual, deputado Erick Musso (PMDB), explicou que as comendas possuem determinações que condicionam sua entrega e que não há como revogar algo que o homenageado estava apto a receber anteriormente.

Erick Musso preside o Legislativo estadual
Foto: Tati Beling/ALES

“Se a pessoa há 20 anos recebeu uma comenda e recebeu uma condenação 20 anos depois, não podemos voltar ao passado e retirar a comenda”, disse.

Sobre a resolução publicada pelo Legislativo em novembro que concedia a comenda Domingos Martins a Lula, mas que foi revogada posteriormente, Musso disse ter seguido outra lógica.

“A decisão de não dar a comenda a Lula não foi pela condenação do dele. Foi porque eu tomei uma decisão pessoal com a Mesa Diretora para não dar comenda a nenhum presidenciável, pois não faríamos da Casa palanque eleitoral.”

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