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Especialistas comemoram novas regras de reprodução assistida no Brasil

Especialistas comemoraram as novas regras do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre as técnicas de reprodução assistida no Brasil divulgadas ontem. Entre as principais mudanças, estão a expansão nos critérios para a cessão temporária de útero para gestação compartilhada, a chamada “barriga solidária”; a redução do prazo para descarte de embriões; e o congelamento de material para uma gestação tardia, o que beneficia, por exemplo, pacientes em tratamento oncológico. A nova resolução, elaborada pela Câmara Técnica de Reprodução Assistida, deve entrar em vigor nos próximos dias.

O CFM destacou a inclusão de questões sociais na avaliação médica para a utilização de reprodução assistida. Segundo Adelino Amaral, membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, as novas regras representam um avanço:

“A cada dois anos mudamos com base nas demandas sociais. O que fizemos agora foi avançar, esclarecendo alguns pontos que deixavam dúvidas e incluindo aspectos provocados por mudanças da sociedade”.

Uma das principais mudanças trazidas pela nova resolução nº 2.168/2017, com publicação prevista no Diário Oficial da União ainda esta semana, é a possibilidade de cessão temporária do útero para familiares em grau de parentesco consanguíneo descendente, como filhas e sobrinhas. Pela resolução anterior, que era de 2015, apenas mãe, avó, irmã, tia e prima podiam participar do processo de “barriga solidária”. Ainda de acordo com as novas regras, pessoas solteiras — homens ou mulheres — também passam a ter o direito de utilizar esse recurso.

As alterações têm como objetivo ampliar a possibilidade de procriação de indivíduos que assim desejarem.

Para Isaac Yadid, médico que participou da equipe responsável pelo primeiro bebê de proveta do Brasil, as mudanças anunciadas pelo CFM “contemplam um momento novo da sociedade”. Ele destaca o fato de que, a partir de agora, a barriga solidária pode ser realizada não apenas por parentes de 4º grau ascendente — mãe e tia, por exemplo.

“Muitas pessoas não têm família grande, com tantas parentes em idade fértil para recorrer. Então, quanto mais opções, melhor. Isso permite que pessoas que estavam excluídas de tratamentos por não terem mãe ou prima capazes de engravidar sejam incluídas”, afirma ele, que acredita que essas sejam “demandas reprimidas que existiam”.

Já o médico Paulo Gallo, professor de Ginecologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), elenca pontos que considera mais importantes na nova resolução: além da ampliação das opções de barriga solidária, a possibilidade de homens sem parceira terem filhos.

“Antes da resolução, não estava claro que homens solteiros poderiam ter uma produção independente. Para mulheres solteiras capazes de engravidar era simples: elas recebiam espermatozoides de um doador e realizavam a fertilização. Mas, para homens sem companheira que queriam ter filhos, era necessária uma barriga solidária. Agora a resolução deixa claro que isso é permitido: eles podem pegar óvulos de uma doadora e utilizar o útero de uma barriga solidária”, destaca.

Gallo explica ainda que, como não existe legislação sobre reprodução assistida no Brasil, o CFM publica, a cada dois anos, resoluções que buscam regular essa área de acordo com valores éticos, adaptando as normas às mudanças da sociedade. As regras do Conselho, são resoluções éticas, não possuem efeito de lei, mas os médicos ficam submetidos a elas, podendo sofrer processos internos caso descumpram.

O médico também ressalta que, com a nova resolução, é possível beneficiar pacientes jovens com câncer. Agora é permitido o congelamento de tecidos germinativos de crianças e adolescentes que ainda não passaram pela puberdade — e que por isso ainda não ovulam ou produzem espermas –, mas que estão com algum tipo de câncer que possa impedir uma futura gravidez.

De acordo com Maria Cecília Erthal, diretora-médica da clínica Vida, no Rio, especializada em reprodução assistida, outro aspecto importante é a permissão, agora, da doação voluntária de óvulos. Antes, só era permitida a doação compartilhada: uma mulher em tratamento para engravidar podia, em troca da gratuidade do serviço, doar parte de seus óvulos para outra mulher que também estivesse em tratamento. Com a nova resolução, passa a ser permitido que uma mulher faça seu tratamento de graça sem ter que doar parte de seus óvulos, se conseguir que outra mulher doe em seu lugar.

“Isso facilita porque muitas mulheres que querem fazer o tratamento já não têm boa produção de óvulos, mas querem doar, porque não podem pagar pelo serviço”, explica Maria Cecília. — Se elas doam alguns de seus óvulos, a chance de engravidarem fica ainda menor. Agora, se uma irmã, por exemplo, quiser fazer essa doação no lugar delas para outra mulher em tratamento, é possível. Isso democratiza mais o acesso para quem não pode pagar.

A nova resolução permite ainda que pessoas sem problemas reprodutivos diagnosticados possam recorrer a técnicas disponíveis de reprodução assistida, como o congelamento de gametas, embriões e tecidos germinativos. Dessa forma, os pacientes ganham a possibilidade de planejar o aumento da família, segundo planejamento pessoal. Também são beneficiados pessoas que, por conta de tratamentos ou desenvolvimento de doenças, podem vir a ter um quadro de infertilidade.

Sobre a preservação oncológica, a presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, Hitomi Nakagawa, apontou que, com o avanço das técnicas tanto de diagnóstico quanto de tratamento em oncologia, há taxas de sobrevida elevadas. No entanto, é recorrente, segundo ela, que pacientes com câncer não tenham acesso ao congelamento de seus gametas para, no futuro, gerarem filhos com o próprio material genético. A resolução do CFM enfatiza essa possibilidade de reprodução posterior, avalia a médica.

Mulheres com mais de 50 anos, em situações de exceção justificadas pelo médico e conscientes dos riscos, também podem solicitar a utilização de técnicas de reprodução assistida. Segundo o CFM, o crescimento de casos de câncer no Brasil e as pesquisas que apontam uma tendências de que as mulheres estão sendo mães mais tarde foram considerados para a edição desse critério.

Em casos de doação voluntária de gametas, a Resolução do Conselho Federal abriu a possibilidade também para mulheres, sendo que os homens já eram contemplados.

O CFM passou também a definir o conceito de gestação compartilhada, opção já anteriormente contemplada para casos de união homoafetiva feminina. Segundo o novo documento, considera-se que os casos que se enquadram nessa situação são aqueles em que o embrião obtido a partir da fecundação de óvulos de uma mulher é transferido para o útero de sua parceira, ainda que não exista diagnóstico de infertilidade.

A resolução cita uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2011 que reconheceu a união estável homoafetiva como entidade familiar.

“Esse é um ponto extremamente positivo, que ficou bem claro agora. Desde 2010, quando estendemos a reprodução assistida aos homoafetivos, a demanda aumentou muito, principalmente em casais femininos. A gente vê que a procura aumentou a partir do momento em que regulamentamos”, defendeu Amaral, membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida.

O prazo para descarte de embriões foi alterado pela nova resolução, passando de cinco para três anos de congelamento. O novo prazo foi adequado à Lei de Biossegurança, que permite a utilização para pesquisa de embriões congelados há três anos ou mais.

“Existem clínicas no Brasil que têm embriões abandonados há 20 anos, porque os casais desapareceram, e os embriões ficaram lá. O Conselho entendeu que, se existe isso em contrato e o casal não comparecer, esses embriões poderão ser descartados”, declarou o médico.

Maria Cecília destaca que os custos cairão, tanto para aqueles que desejam ser pais, quanto para as clínicas de fertilidade.

“Quem congela embriões e conseguiu engravidar no primeiro ano, por exemplo,não vai mais precisar pagar pela manutenção deles congelados por cinco anos. Isso também é importante para os estabelecimentos que fazem o congelamento, porque muitas pessoas desistem no meio do processo e abandonam os embriões. A clínica era obrigada a mantê-los por cinco anos sem ter mais qualquer contato com quem os congelou”, pontua ela.

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