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Falsas aplicações de vacina levam medo à população e aos profissionais de saúde no ES

Casos suspeitos de pessoas que receberam a dose de covid-19 com seringas vazias têm levado medo tanto para os pacientes, que registram cada etapa da aplicação da dose em vídeo, como também para os profissionais de saúde, que temem uma caça às bruxas pela desconfiança da população.

No Espírito Santo, dois casos de falsa aplicação de vacina contra a covid-19 estão sendo investigados pelo Conselho Regional de Enfermagem (Coren-ES).

Por medo e como forma de precaução, uma mulher de 35 anos, que não quis se identificar, ao ser vacinada no início de julho, no Pavilhão de Carapina, na Serra, pediu que uma pessoa da fila registrasse o momento da aplicação.

Ela ficou em pânico depois que assistiu ao vídeo porque pensou que não tivesse sido vacinada.

Foto: Reprodução / FolhaVitória

“Eu fui sozinha para o Pavilhão de Carapina, mas pedi a uma outra pessoa para filmar. Tive medo, vi que teve lugares em que não injetaram a vacina e jogavam fora, por isso pedi uma pessoa desconhecida”, explicou ela.

Ela ainda contou para o Jornal Folha Vitória que só foi ver o vídeo em casa e, em um primeiro momento, achou que a dose não tinha sido aplicada.

“Depois que vi o vídeo repetidas vezes fiquei mais calma e tranquila. Eu estava muito ansiosa, porque é uma esperança que temos. Muita gente morreu pois não teve a mesma oportunidade de vacinação”, completou.

Nas imagens, a profissional de saúde mostra a seringa cheia, coloca o frasco dentro da caixa em cima da mesa e, em seguida, pega um algodão muito rapidamente, o que levantou a suspeita de que a seringa pudesse ter sido trocada. Mas pela sequência das imagens é possível perceber que a mulher não tira a seringa de sua mão direita em nenhum momento.

Profissionais também estão com medo 

As prefeituras estão orientando os profissionais de saúde a, antes de aplicarem a vacina, mostrar que estão enchendo as seringas. Além de exibir a seringa vazia também após o procedimento.

O ritual das fotos e filmagem com os aparelhos de telefone em cada etapa do processo, acompanhado de perguntas dos pacientes que querem ter certeza se estão de fato sendo imunizados, geram ansiedade para quem também está responsável pelo processo. Profissionais se sentem expostos e com medo de uma caça às bruxas em caso de suspeitas.

Foto: Acervo pessoal
Kátia trabalha em campanhas de imunização há mais de 17 anos 

Auxiliar de enfermagem e participante de campanhas de imunização há 17 anos, Kátia Barcelos Bankerdt, trabalha no município da Serra e reconhece o direito das pessoas em registrarem o momento. No entanto, orienta que façam apenas o procedimento, preservando a identidade dela.

“Eu fico bem incomodada e peço, mesmo sabendo que nem sempre eles vão me respeitar. Com o decorrer do tempo, a gente até se acostumou. Mas, se puderem respeitar e registrar apenas o braço do paciente e o procedimento em si, ficaria muito feliz”, confessou.

Ela relatou que aplica aproximadamente, em dias de campanha, como sábados, domingos e feriados, 180 vacinas, e 99% das pessoas pedem para tirarem fotos. Por não questionar as fotos e filmagens, Kátia revelou que nunca foi agredida verbalmente e fisicamente por isso, mas que as pessoas costumam revidar com ignorância quando são contrariadas, mesmo erradas.

“Às vezes eles chegam para se vacinar, mas não se encaixam na faixa etária ou no grupo prioritário do momento. Quando falamos que não será possível a imunização, ficam irritados e querem filmar, falando que possuem o direito a vacina e a filmagem”, desabafou.

Coren-ES entende o direito do registro, mas pede que as pessoas tenham empatia 

Foto: Coren-ES / Divulgação
Andressa Barcellos é enfermeira e presidente do Coren-ES

A enfermeira e presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Espírito Santo (Coren-ES), Andressa Barcellos, defendeu o direito do paciente em filmar e fotografar o momento da imunização, mas para ela, às vezes, falta empatia por parte dos pacientes.

“Não tem problema você filmar, mas sim como você fala e como você faz. É de todos os lados, por parte do paciente e dos profissionais”, esclareceu.

Andressa explicou que a carga horária, os mutirões e para além da campanha contra covid-19, os enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliares lidam com outras imunizações, como a da Influenza (vacina contra a gripe).

“Muitos profissionais estão exaustos, devido a carga horária, os mutirões de vacinação, no qual são centenas de pessoas vacinadas por dia. Um esgotamento, em parte pelo desgaste que a pandemia trouxe e outra parte pela própria demanda da profissão”, explica.

Maioria dos profissionais são mulheres

A preocupação maior do Coren-ES é com as profissionais mulheres, já que segundo a presidente do conselho, elas são a maioria. Há no Espírito Santo 40.729 mil profissionais divididas em: 3.255 auxiliares de enfermagens; 8.883 enfermeiras e 28.591 técnicas de enfermagem. A soma chega a 80% de profissionais do sexo feminino.

“A enfermagem é majoritariamente feminina, e elas relatam muita ignorância e assédio verbal. Faltam nas pessoas a educação, os profissionais recebem pessoas com nervos à flor da pele, sem paciência”, disse.

Coren-ES orienta profissionais 

Segundo Andressa a orientação do Conselho é que os profissionais da linha de frente da aplicação tentem buscar no diálogo o respeito.

“Orientamos o profissional a conversar, se impor e se fazer respeitar. Quando for o caso, registrar boletim de ocorrência, de desrespeito ao exercício profissional. Cada caso é um caso. Mas da mesma forma que o profissional precisa respeitar os direitos do cidadão, ele precisa ser respeitado,” reforçou.

Andressa conclui que a administração da vacina não é algo mecânico. “O enfermeiro ou o técnico de enfermagem tem responsabilidade, técnica e de preparo. Em cada vacina aplicada, a pessoa reage de um jeito. Tem pessoas que ficam nervosas, tem profissionais que passam por problemas delicados, sobrecarga, é preciso empatia, de ambos os lados”, finalizou.

“É preciso mais transparência” 

Foto: Acervo pessoal

O infectologista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Crispim Cerutti Junior, acredita que registrar em vídeo a aplicação da vacina é uma forma da pessoa se proteger e ter a certeza de que foi imunizada. Mas ele defendeu a importância de descobrir a intenção do agente quando finge em aplicar a dose.

“Vale a pena investigar e descobrir o que leva o enfermeiro ou técnico de enfermagem a jogar fora ou esconder a dose. Seja ideológico, para causar mal ou até mesmo como desvio de verba pública”, frisou.

Para Crispim, o Poder Público precisa trabalhar a ideia de uma aplicação transparente.

“O agente que vai aplicar a dose precisa mostrar que está tirando o material do frasco, pegando uma seringa nova e mostrando depois da aplicação ela vazia. Isso pode demandar mais tempo, mas a transparência é a melhor ferramenta”, completou.

Covid-19 criou o novo cenário  

O psicólogo Nildson Alves Cabral explicou que a covid-19 criou um cenário novo para o processo de imunização por conta do uso de informações não embasadas cientificamente nas redes sociais.

“Acaba ocasionando muito mais dúvidas, o que pode invocar estas reações de aversão ao uso de medicamentos e principalmente no caso das vacinas que são mais invasivas”, destacou Nildson.

Para além disso, a psicóloga Lara Andrade Coutinho acredita que a escassez das doses e as dificuldades na hora do agendamento influenciam na prática.

Foto: Acervo pessoal

“Como as vacinas são, no momento, a melhor estratégia que temos para superar a pandemia, conseguir imunizar-se neste cenário é tanto um alívio quanto um incentivador para que outros o façam. Desta forma, as pessoas querem garantir sua dose”, reforçou ela.

Direito à informação 

Todas as pessoas que forem receber a vacina contra a covid-19 têm direito a pedir informações sobre o imunizante e detalhamento dos procedimentos de aplicação. Além disso, elas podem filmar, fotografar a aplicação, desde que respeite a privacidade do profissional que irá aplicar, caso peça.

Assim, a pessoa e um eventual acompanhante têm o direito de pedir esclarecimentos sobre os procedimentos e sobre a própria vacina. Também pode pedir para checar o frasco de onde foi tirado o medicamento, desde que não interfira na segurança da aplicação.

O Senado Federal aprovou no dia 16 de março de 2021, o projeto que permite o acompanhante filmar a aplicação da vacina e a assistir à marcação do lote da vacina no cartão (PL 496/ 2021). A proposta foi apresentada pelo senador Styvenson Valentim (Podemos-RN).

Quem tentar impedir, pode cometer crime com prisão de 3 meses a um ano, além de multa.

Fonte: Folha Vitória

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