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Funcionários fantasmas na Câmara da Serra tinham até três empregos

Ex-vereadores da Serra tinham assessores que não iam à Câmara

Como não precisam bater ponto, os “assessores externos” do Poder Legislativo podem passar o dia transitando pelo município, sob o pretexto de que estariam conhecendo melhor as demandas da população.

Contudo, o que investigações feitas pelo Ministério Público na Câmara da Serra demonstram é que servidores, se aproveitando desta condição, atuavam em outros empregos neste mesmo horário de trabalho ou até mesmo ficavam em casa, “de sobreaviso”.

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Ex-presidentes da Câmara da Serra acusados de ter funcionários fantasmas

A prática de manter funcionários fantasmas, que é quando pessoas recebem dinheiro público mas não trabalham para aquilo que foram contratados, não se limitava apenas aos servidores ligados à presidência da Câmara, conforme A GAZETA mostrou ontem.

Nos últimos meses, outros dois vereadores foram denunciados à Justiça pela 13ª Promotoria Cível de Serra, acusados de também manter em seus gabinetes funcionários que não trabalhavam.

O primeiro caso é do ex-vereador Alceir Nunes de Almeida, que na época era do PTdoB. De 2010 a 2013, ele teria mantido um assessor externo que possuía, ao mesmo tempo, um vínculo de emprego com uma associação beneficente como motorista. Quando ele foi contratado pela Câmara, inclusive, já era empregado desta associação, sendo que a carga horária dos dois empregos era de 8 horas por dia.

Interrogado pela promotoria, o servidor admitiu que só passava no gabinete para assinar o ponto e sequer sabia quem era o chefe de gabinete ou o partido do vereador para o qual trabalhava.

“Ele disse que o que fazia para Alceir era dar notícia dos problemas da Serra; que como rodava nos bairros dirigindo para a associação, conseguia manter os dois serviços”, relata a promotora que assina a denúncia, Maria Clara Perim.

CONJUNTURA

Mais recentemente, em 2015, o Ministério Público identificou novamente esta prática, desta vez no gabinete do ex-vereador Sebastião Sabino (PT). Ele é acusado de manter em seu gabinete dois servidores que não trabalhavam.

Um deles foi um homem que trabalhou para Sabino por nove meses. As investigações demonstraram que enquanto ele esteve lotado no gabinete do vereador, ele passou a trabalhar como distribuidor de colchões, deu início a um curso supletivo e trabalhava como taxista.

O outro funcionário, que atuou por 1 ano e 2 meses na Câmara, afirmou, em depoimento, que passava a maior parte do tempo em casa. “O dia que marcava ponto, estava a disposição e ficava lá, e nos dias em que não marcava ponto, estava liberado”, contou.

No último dia 4, a Justiça inclusive determinou liminarmente a indisponibilidade de bens de Sebastião e dos dois ex-funcionários, em razão da gravidade do ato e a necessidade de garantir o ressarcimento do patrimônio público.

OUTRO LADO

O ex-vereador Sebastião Sabino declarou que ainda não foi ouvido pelo Ministério Público e nem notificado pela Justiça sobre esta Ação de Improbidade, e negou as acusações.

“Posso garantir que eles trabalhavam, tenho provas documentais e suas digitais. Além de vereador, sou gestor público e sempre combati servidores que não trabalham conforme a lei”, disse.

Sobre o trabalho dos assessores externos, alegou que supervisionava os relatórios dos servidores.

“Eu trabalhava de segunda a segunda, o que ganharia para manter um funcionário fantasma? Eu avaliava os relatórios, e você tem que confiar no que a pessoa está descrevendo ali”, afirmou.

O ex-vereador Alceir de Almeida foi procurado, mas não foi localizado pela reportagem.

CASOS DE EX-PRESIDENTES

Fantasmas

Três ex-presidentes da Câmara da Serra foram denunciados pelo Ministério Público por Improbidade Administrativa, por manter funcionários fantasmas em seus gabinetes. As gestões deles na Casa de Leis do município foram de 2007 a 2014.

Aloísio Santana

Foi presidente da Câmara da Serra de 2007 a 2008

Acusação

Responde a uma Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, por suspeita de que uma servidora seria funcionária fantasma. Ela atuou no gabinete dele de 2007 a 2013.

Nomeação

A denúncia também relata que houve desvio de finalidade na ocupação do cargo desta servidora, que teria sido contratada por ser viúva de um ex-vereador e ter perdido o direito à pensão.

Raul Cézar Lucas

Presidiu a Câmara da Serra de 2009 a 2012.

Acusação

Um servidor contratado para atuar como assessor do vereador, por cerca de 12 anos, seria funcionário fantasma, pois só comparecia ao Legislativo para registrar sua frequência.

Relatos

No relatório de Resumo de Atividades, o próprio servidor demonstrou que atendia somente interesses particulares e eleitorais do vereador. Alguns exemplos de atividades dele:

– “Estive em Jardim Bela Vista à procura de um velho amigo”

– “Reunião de família em minha casa a tarde e à noite confraternização”

– “Estive em Carapina Grande com amigos do bairro me informando de como vão as coisas”

Prejuízo

De 2005 a 2016, o servidor recebeu ao todo R$ 336.211,71 em salários. O Ministério Público pede que este valor seja devolvido aos cofres públicos, corrigido, o que representa hoje R$ 861.524,27.

Guto Lorenzoni

Acusação

A mesma servidora, que teria sido funcionária fantasma no gabinete de Aloísio Santana, foi chefe de gabinete da Presidência na gestão de Lorenzoni, e também é acusada de não trabalhar.

Outro emprego

Embora o cargo na Câmara da Serra seja de 40 horas semanais, a servidora também trabalhava no supermercado de seu marido, inclusive com vínculo formal de emprego.

Prejuízo

De abril de 2014 a janeiro de 2015, a servidora recebeu ao todo R$ 17.198,01 em salários. O Ministério Público pede que este valor seja devolvido aos cofres públicos, corrigido, o que representa hoje

R$ 28.870,27.

Fraude

Raul Cézar Nunes

Licitação

O ex-vereador também responde por suposta fraude a licitação, durante a obra de reforma da Sede da Câmara, em que teria havido um prejuízo de R$ 166 mil.

Acordo com MPES não saiu do papel

Uma das medidas que poderia permitir maior controle sobre os assessores externos de vereadores, evitando a prática institucionalizada de manter funcionários fantasmas, foi praticamente abolida pelos parlamentares da Serra desde 2015.

Um ano antes, o Ministério Público firmou com a Câmara da Serra um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) prevendo que somente oito dos 15 assessores dos gabinetes de cada vereador estariam isentos de bater ponto.

Esses servidores, entretanto, deveriam ficar obrigados a elaborar relatório mensal detalhado das atividades, protocolado necessariamente no setor administrativo da Casa. Tal relatório deveria ser atestado pelo vereador responsável e obedecer a um modelo padronizado pela Câmara, válido para todos os gabinetes. A eventual não entrega do documento caracterizaria falta funcional do servidor.

Contudo, como o TAC não havia sido regulamentado, durante o período de quase um ano nenhum assessor de gabinete estava obrigado a bater ponto. Nesse intervalo de tempo, os vereadores aprovaram uma resolução em que aumentaram para dez o número de liberados de bater o ponto, e estabeleceram que esses assessores só precisam assinar um relatório genérico e não padronizado, supervisionado por um servidor a quem o vereador delegaria a tarefa.

O Ministério Público chegou a entrar na Justiça para suspender a resolução da Câmara e fazer com que o TAC fosse cumprido, mas a Justiça entendeu que o objeto do TAC, que é a implantação e regulamentação do sistema biométrico de controle de frequência, é questão interna que deve ser resolvida no âmbito do Poder Legislativo.

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