Polícia Civil do Espírito Santo teve acesso a ligações entre os motoristas e os irmãos Leocir e Jacymar Pretti, em que os empresários autorizaram o pagamento de propinas a agentes da Polícia Rodoviária Federal em Minas Gerais, e da Polícia Militar do Ceará
Em um intervalo de menos de 20 dias após o maior acidente rodoviário da história do Espírito Santo, os irmãos donos da empresa Jamarle Transportes, proprietária do caminhão que provocou, em junho, a tragédia que deixou 23 mortos na BR 101, em Guarapari, autorizaram motoristas da empresa a pagarem propinas a policiais em Minas Gerais e no Ceará para burlar a fiscalização, tanto por excesso de peso quanto pelas más condições das carretas. As informações foram divulgadas nesta terça-feira (14), pela Polícia Civil.
Durante as investigações do acidente que envolveu um caminhão da Jamarle e um ônibus da Viação Águia Branca, a Polícia Civil do Espírito Santo teve acesso a ligações entre os motoristas e os irmãos Leocir e Jacymar Pretti, em que os empresários autorizaram o pagamento de propinas a agentes da Polícia Rodoviária Federal na cidade de Sabará, em Minas Gerais, e da Polícia Militar do Ceará, na cidade de Icó.
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Nos áudios, é possível ouvir os motoristas relatando aos irmãos Pretti as negociações feitas com policiais. Em uma das gravações, o motorista relata que o policial pediu dois “elefantes”, referindo-se à quantia de R$ 200, mas Jacymar diz para pagar apenas um, ou seja, R$ 100. “Não, não. Você dá um só. Tem nota, está tudo certo. Não tem nada irregular. Eu não vou deixar de contribuir com você, dá R$ 100.”
O motorista relata toda a situação envolvendo a cobrança feita pelo policial em Minas Gerais e afirma que o agente chega a citar o acidente em Guarapari, que aconteceu poucos dias antes da gravação. A conversa foi registrada no dia 2 de julho, dez dias após a tragédia que deixou 23 pessoas mortas.
Em uma outra gravação, feita no dia 12 de julho, um motorista relata o pagamento de propina a um agente da Polícia Militar do Ceará. O funcionário diz a Jacymar: “Aqui, tem um guarda que pede R$ 50 reais para passar para lá e para cá.” O dono da Jamarle Transportes trata com naturalidade a situação e pergunta se o caminhão está vazio. O motorista confirma que sim.
A Polícia Rodoviária Federal de Minas Gerais foi procurada para comentar a respeito do conteúdo dos áudios, mas informou que não iria se manifestar porque a instituição ainda não tem conhecimento das gravações.
A reportagem também tentou contato com a Polícia Militar do Ceará, mas não conseguiu falar com um representante da instituição até o fechamento desta edição.
A Jamarle Transportes informou, por meio de nota enviada por seus advogados, que não teve acesso ao laudo pericial e ao relatório final do Inquérito, razão pela qual trará a público suas considerações assim que tiver a oportunidade de avaliá-los.
CONFIRA OS ÁUDIOS
PRF Sabará (BH) – 02/07/2017
Motorista: Passando na Federal de Belo Horizonte, o cara estava lá dentro. Ele saiu lá de dentro e parou eu. Aí estava conversando com ele e ele pediu o documento. Aí fomos conversar […]. Ele falou “o que você tem aí?”, eu falei “madeira”. Ele falou assim, “é madeira e está pesado”. Eu falei assim, “tá não, rapaz”. Ele falou, “não quero nem saber disso, vamos negociar”.
Eu falei, “rapaz, nós estamos na fila do acidente aí, nem almocei porque eu não tenho dinheiro ainda”. Aí, eu passei no Ravena que eu vou pegar o dinheiro. Os 100 conto que você liberou lá eu paguei os pedágios e estou sem dinheiro.
Eu falei “e uma oncinha, você não negocia não?” Ele falou “rapaz, não to mexendo com onça mais não, agora a gente só mexe com elefante”, ele falou pra mim, entendeu.
Leocir: Hum
Motorista: Ai eu falei assim “e aí rapaz?”. Ele falou assim “Com menos de 200 conto aqui não tem jeito não”. Eu falei “rapaz, você tá vendo que nem almoçar eu almocei, vou descer no posto ali agora”. Ele falou “então você vai, passa no posto e eu te pego lá em cima”. Aí, beleza.
Aí cheguei lá, liguei pro Pretti, ele liberou 250 conto pra mim. […] Aí ele subiu pra cá pra me pegar. Fiquei enrolando, enrolando, tomei banho e fiquei ali. Aí fui assistir o jogo e quando eu vinha saindo eles chegaram pra pegar a janta. Aí ele falou assim “aí rapaz, eu fui pra lá e você não foi”. Aí eu falei “mas eu falei com você que eu ia abastecer aqui”. Falei “rapaz, liguei pro patrão lá e 200 real ele não arrumou não. Não teve jeito”. Ele falou “[…] ainda mais com esse problema de vocês lá”. Eu falei “rapaz, o problema que tem lá, eles tão resolvendo, graças a Deus”. Aí ele falou assim “olha, faz o seguinte, vê o que você resolve aí que meus amigos estão pegando comida lá pra nós irmos embora”. Falei “Rapaz, o patrão não deu, não deu nem 10 reais, aí vou ter que jantar, como que eu vou fazer?”. Ele falou “quanto você tem aí?”. Falei “150” e dei 150 a ele. Ele ficou chiando ainda. Porque ele tá costumado com a turma de vocês. Ele falou que os caras todos de vocês ele conhece, entendeu.
Aí ele pegou 150. O que o Pretti me liberou foi 250 pra mim e 100 pro seu (??) lá. Agora, eu estou aqui no posto Planalto e estou abastecendo porque eu vou passar a madrugada na “balada”, não adianta correr. Aí queria ver se vocês liberavam um aí pra mim. Eu tenho 70 reais no bolso.
Leocir: Vamos liberar mais uns 100 real então
Motorista: Pra eu descer pra cá não tem que pagar pedágio?
Leocir: Não, depois que descarregar lá você recebe alguma coisa.
Motorista: Tá bom, então
PRF Sabará (BH) – 02/07/2017
Jocimar: Dá 50 conto a ele
Motorista: Eu ofereci 50 a ele lá, entendeu. Ele falou que não tá mexendo com onça mais. Eu falei “e uma oncinha, dá pra nós negociar?”. Ele falou, “ih, rapaz, eu não mexo com onça mais não, só com elefante agora”
Jocimar: Mas o que que quer dizer “elefante”?
Motorista: Elefante é 100 reais. Ele pediu dois elefantes
Jocimar: Ah não, dá um só porque tem nota, tá tudo certo. Não tem nada irregular, mas não vou deixar de contribuir com você. Dá 100 reais, pode mostrar a nota, está com 37 e pouco.
PRF Sabará (BH) – 02/07/2017
Motorista: Pretti
Jocimar: Oi
Motorista: É a bucha aqui em Gaivota (?)
Jocimar: O que que deu?
Motorista: Os guardas me pegaram aqui e querem 200 “paus”. Ai eu falei, “200 paus por causa de quê?”. Ah é um negócio de ISS. Aí eu falei “e aí, uma oncinha vai?”. Ele falou “não mexo com onça mais não, agora só mexo com elefante”, entendeu.
Jocimar: Aham
Motorista: Aí eu falei “rapaz, o negócio é o seguinte, nós estamos na fila por causa do acidente, eu ainda não almocei porque não tenho dinheiro. Leocir me deu 100 ontem e eu paguei os pedágios, liberou lá onde eu abasteci”. Ele falou “pode deixar”. Aí eu falei “Eu vou abastecer no Ravena (?) é a unica coisa que eu vou poder negociar”. Ele falou “pode ir pro Ravena que eu vou te esperar lá na frente”