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Paradigma nos acordos de desarmamento foi alterado com fim do consenso

Atualmente existe uma mudança de paradigma nos acordos de desarmamento com a alteração do que tradicionalmente era consensual nos fóruns internacionais, disse hoje à Lusa o académico e especialista Vicente Garrido Rebolledo.

Existe uma mudança de paradigma nos acordos de desarmamento, estamos a alterar o que tradicionalmente era considerado como consenso nos fóruns internacionais quando nos referíamos ao Tratado de Não-proliferação Nuclear [NPT na sigla em inglês, em vigor desde março de 1970] como o principal acordo de controlo de armamentos”, sustentou Garrido Rebolledo.

O académico alertou para o surgimento de “novas iniciativas”, em particular o Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPNW, na sigla em inglês, assinado em julho de 2017), e os “novos fóruns que estão a surgir”, em particular os acordos entre Estados, mas fora das organizações internacionais.

“Por exemplo, a iniciativa global contra o terrorismo nuclear, a iniciativa francesa sobre atribuição de responsabilidades pela utilização de armas químicas, são fóruns à margem das organizações internacionais, e estamos a assistir a uma nova rivalidade”, especificou.

Na perspetiva do professor de Relações internacionais e Estudos de segurança da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Rei Juan Carlos, em Madrid, as conferências do NPT “vão conduzir a um fracasso, porque não há disposições para se garantirem acordos, consensos, que estão quebrados”, e que permitiram o surgimento de fóruns paralelos.

“Será muito difícil alcançar consensos no âmbito das organizações internacionais, e na ausência desse consenso os Estados vão preferir cooperar entre si e desencadear iniciativas mais a nível bilateral ou a nível de grupos de Estado, e fora das organizações”, insistiu Garrido Rebolledo.

A ausência de um regime internacional que obrigue ao desarmamento, como está explícito na disposição 6.ª do NPT, implicou que as medidas sobre desarmamento se tentem agora instaurar através do TPNW, recordou.

“Apesar de muitos Estados perceberem que o TPNW vai terminar com o único que funcionou até agora, que é o NPT”, destacou.

O atual impasse deu lugar a “disputas difíceis” e impediu a perspetiva de futuros acordos globais, reconheceu.

“Os principais temas que vão ser celebrados em finais de abril, princípios de maio, no âmbito do NPT, vão ser o tratado de proibição de armas nucleares [TPNW] e o abandono do acordo com o Irão [JCPA, julho de 2015] pelos Estados Unidos, a rutura do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário [Intermediate-Range Nuclear Forces, INF de dezembro de 1987], e a ausência de acordo para estabelecer uma zona livre de armas de destruição massiva no Médio Oriente… Mas não há acordo em nada!”, vaticinou.

“E assim é muito difícil que as conferências e os fóruns internacionais, e com a conferência sobre desarmamento bloqueada, porque o ponto seguinte desta conferência seria a adoção de um tratado de proibição de material fissível, mas também não existe acordo neste aspeto. Assim, é muito difícil alcançar consensos”, antecipou.

O orçamento que os Estados Unidos continuam a canalizar para a Defesa (716 mil milhões de dólares, para o ano fiscal de 2019, muito superior ao dos países mais próximos), o acordo nuclear com o Irão, as conversações com a Coreia do Norte ou a posse de armas nucleares por Israel foram outros temas abordados por Garrido Rebordelo, que interveio hoje num seminário organizado pelo Instituto de Defesa Nacional (IDN) sobre “Proliferação e Controlo de Armamentos”.

A administração Trump tem insistido na necessidade de os aliados da NATO despenderem um mínimo de 2% do seu PIB em Defesa.

E em relação aos temas abordados na sua intervenção, “O futuro do controlo de armamentos e o desarmamento”, Washington continua a considerar que as reduções firmadas nos tratados bilaterais de fim do investimento na modernização dos seus arsenais “os colocou desfasados” em relação à Rússia, “que investiu muito mais”, e à China”.

“O Governo dos Estados Unidos considera que não investiu suficientemente em modernização nuclear, e que por isso poderia ser vulnerável face a um ataque, não tanto estratégico, mas tático, por parte de outros Estados”, explicou.

Esta nova abordagem também poderá explicar a decisão de Washington em retirar-se do Plano de Ação Conjunto Global, (JCPA, julho de 2015), o acordo nuclear entre as principais potências e o Irão.

As grandes potências que assinaram o JCPA foram os cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança [Estados Unidos, China, Rússia, França e Reino Unido] e a Alemanha (P5+1).

“Mas existe otimismo que o plano de ação integral conjunto permaneça em vigor, porque as restantes partes que assinaram o acordo P5+1 pretendem assim suceda”, afirmou.

Em relação à Coreia do Norte, e quando já foi confirmado um segundo encontro no final de fevereiro entre Trump e o seu homólogo Kim Jong-un, Garrido Rebolledo admite “enormes complicações” quando foram iniciadas as conversações.

“Existe uma história de fracassos nas conversações com a Coreia do Norte, porque sobretudo sem arma nuclear a Coreia do Norte perde uma base negociadora internacional muito importante”, frisou.

“A Coreia do Norte não vai querer um acordo unilateral, que só a prejudicará, mas vai exigir às restantes partes um compromisso equivalente, e não um acordo unilateral que apenas exige a desnuclearização a Pyongyang, mas antes de toda a península coreana. E os problemas vão começar aí”, acrescentou.

Numa referência final a Israel e à sua posse de armas nucleares na muito volátil região do Médio Oriente, o especialista recordou que a sua política sempre consistiu em ‘nunca negar, nunca admitir’, com o discurso oficial a negar que o país possui armamento nuclear.

“Nunca confirmam ou desmentem. Israel desperta os receios dos Estados da região, não apenas do Irão, mas também do Egito, que é máximo defensor da criação de uma zona livre de armas de destruição massiva no Médio Oriente, e de sistemas de lançamento”, salientou.

Garrido Rebolledo recordou ainda que um dos compromissos da conferência de revisão do NPT, em 1995, consistia na criação dessa zona livre de armas de destruição massiva, que não pode ser entendida sem Israel.

“E mesmo que Israel nem admita nem desminta a posse de armas nucleares”, concluiu.

Vicente Garrido Rebolledo integra o conselho consultivo sobre assuntos de desarmamento do anterior e atual secretário-geral da ONU, respetivamente Ban Ki-moon e António Guterres, entre outras funções.

FONTE:NOTICIA AO MINUTO

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