Rejeição a novos alimentos, birra e até ânsia de vômito à mesa. Que mãe nunca presenciou uma cena dessas, na hora da refeição, com o filho diante de um prato de comida? Crianças que têm dificuldades para comer é uma realidade em boa parte das famílias. Um comportamento que – acredite! – acaba afetando a vida de todos que estão em volta e, às vezes, até o casamento dos pais.
A comunicadora Larissa Pretti, 40 anos, sabe bem o que é esse drama. Mãe de Clara, 13, e Helena, 10, ela conta que, quando bebês, os dois comiam muito bem e de tudo, mas que as coisas mudaram por volta dos 2 anos de cada um. “Eles começaram a selecionar muito e a rejeitar coisas que amavam, como frutas, por exemplo”, lembra a mãe.
No cardápio delas entra arroz, batata assada, carne, macarrão e quiabo. Mas o pesadelo da mãe é o frango empanado industrializado, que as meninas adoram. “Já fiz o caseiro junto delas, mas chega na hora de provar, não provam, ou colocam na boca e falam que não gostaram, elas querem mesmo é o nuggets”. O pesadelo só não é maior porque Clara come carne, quiabo e ovos. Já Helena deixa a mãe mais tranquila por conta do prato de feijão todos os dias. Então, quando exageram em algo muito industrializado, faço com que elas comam mais algo saudável que gostam”.
O pior é que Larissa se sente culpada. “Já coloquei de castigo, já deixei sem comer, já levei em psicólogo, já prometi presente, já tirei brinquedo… E essa situação gera muita discussão na hora das refeições, coisa que eu odeio, porque estamos sempre falando muito disso com elas, do quanto a alimentação delas é péssima, que devem experimentar as coisas, que é um absurdo a forma como são resistentes a algo tão delicioso, que é a comida”. Só que nada adianta, o que gera uma sensação de fracasso.
Larissa não está só. Dados de pesquisas internacionais mostram que a queixa afeta entre 10% e 25% das crianças. No Brasil, as dificuldades de comer atingem mais de 50% delas. Não à toa esse é o assunto do segundo ‘Encontros do Saber’ 2019, nesta quarta-feira (05 de junho). Com o tema “Meu filho é ruim de garfo. E agora?”, o evento – uma parceria da Rede Gazeta com Casa do Saber Rio, que tem a Revista.ag como anfitriã – vai reunir a apresentadora do GNT, Gabriela Kapim, e a nutricionista Roberta Larica, debatendo os caminhos para criar um hábito alimentar saudável na infância. Gabriela faz sucesso com o programa “Socorro! Meu filho come mal”, e Roberta também é comentarista da CBN Vitória.
Dar exemplo é fundamental
A nutricionista materno infantil Andreia Friques explica que o hábito alimentar da criança é reflexo do estilo de vida dos pais. “O impacto de saúde da criança começa a ser formado durante a gestação, quando ela inicia o reconhecimento de sabores e odores. Não adianta a gestante não comer determinados alimentos e depois querer que o filho coma. Isso explica muito coisa. Depois essa criança nasce e, na amamentação, esse paladar vai ser ainda mais influenciado. O leite materno também é influenciado pelo que a mãe come, e essa criança é exposta a diversos sabores. Além disso, muitas famílias têm hábitos péssimos e reclamam que a criança come mal”.
Autora do livro Nutrição Materno-Infantil, no qual fala da importância da nutrição adequada desde o período pré-gestacional à inserção da criança no contexto familiar, Andreia fala que durante a introdução alimentar é importante oferecer o máximo de alimentos saudáveis, com uma boa variedade, para que a criança tenha sensações e experiências complementares, influenciando na aceitação de outros alimentos depois. “Dos seis meses a um ano é o período para que ela desenvolva uma relação positiva com a comida. Passa uma má impressão a família que investe sempre no mesmo alimento ou não tem um cuidado para apresentar a comida para as crianças”, diz.
Redução do apetite
Mas ela ressalta que, a partir do primeiro ano, é natural que o apetite da criança diminua. Só que a família acaba interpretando como se ela não estivesse comendo bem. “Na verdade a partir de um ano, o crescimento da criança é muito lento, e a família interpreta errado, porque ela não ganha peso como antes. Sem orientação adequada, começam com a oferta de guloseimas. ‘Melhor um biscoito do que não comer nada’, diz a mãe. É aqui que a família começa a perder o jogo da alimentação saudável”, avisa.
Segundo ela, na maioria dos casos, a situação gera um estresse familiar muito grande. Não só para o casal, mas para a família toda. “Ter um filho saudável do ponto de vista fisiológico, mas que só come a mesma coisa todos os dias, não se alimenta na casa de amigos e em viagens, é um estresse violento para casa. Alguns pais chegam até a se separar”.
Para que isso não aconteça, eles têm que pensar em como tratar a criança do ponto de vista da saúde alimentar, pensando de forma parecida. “O ideal é combinar com a família para que todos respeitem a forma de criar do casal”, acrescenta. Afinal, sempre tem aquela avó que costuma fazer todas as vontades dos netos.
Aprendizados
Na casa da autônoma Sabrina Florindo Tamiasso, em Vila Velha, a dificuldade com a alimentação da filha começou há dois anos. Julia tem cinco anos e, vira e mexe, pede pra trocar a comida por chips, balas, chocolates e bolos. “Quando isso acontece ela fica sem ver televisão ou não vai para a casa das avós em Cachoeiro de Itapemirim”, diz a mãe. Mas ela confessa que acaba fazendo algumas trocas com a menina, pela alimentação dela, e se sente um pouco culpada por isso. “Sou a que mais cedo. Meu marido é aquele que que diz: ‘não vai sair da mesa até terminar’. Então, se ela come tudo levo na pracinha ou dou um pirulito. Sei que é supererrado, mas infelizmente é isso que conseguimos fazer”.
Todos à mesa
Na casa da cantora e apresentadora do AGTV, Flávia Mendonça, a situação é um pouco melhor. O filho Ian, de dois anos e cinco meses, é seletivo, escolhe o que quer comer, mas até que come uma boa variedade de frutas e verduras. “Quando ele realmente fecha a cara não tem jeito, aí acabo cedendo e deixo ele comer em frente a televisão ou brincando no quarto. Mas procuramos ter uma rotina em casa, com todos à mesa para fazer as refeições. E quando percebo que ele não quer, insisto e vou atrás e outros alimentos”, diz.
O pequeno tem costume de comer feijão, macarrão, frango e legumes. “Em compensação, não gosta de comer arroz. E também adora biscoitos, iogurte, chocolate, pão de queijo e bolo. Mas o que ele gosta mesmo é de pizza”.
Flávia conta que já foram mais frequentes os pedidos de troca de alimentos. “Era comum ele querer iogurte na hora do almoço. Fazia birra e a gente acabava cedendo pra ele não ficar sem comer nada. Com o tempo, percebíamos que era apenas um aperitivo, que ele comia antes da refeição. E a gente liberava pra não ter estresse”, conta a apresentadora, ressaltando que outros tipos de industrializados não são comprados. “Não me sinto culpada”.
Ela, que acabou de ser mãe novamente, confessa que tem a intenção de introduzir melhor os alimentos na rotina de Ícaro, que por enquanto só mama no peito – tanto em relação à qualidade quanto em relação à variedade. “Quem sabe consiga introduzir novos alimentos e assim despertar o interesse do irmão mais velho?”, questiona.
Fonte: NA