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Sobrou até para a estátua que homenageia a colheita do café em Nova Venécia

Há uma mania latente de erguer estátuas nas ruas e praças para eternizar a imagem de colonizadores, artistas, escritores, políticos, músicos. Na cidade do Rio de Janeiro, são 23 estátuas erguidas e muitas outras a caminho. Mas é duro ser estátua, como diria aquela canção antiga do Erasmo Carlos. Nem sempre a reprodução é adequada, politicamente correta ou agrada esteticamente. Por aqui, há alguns exemplos: em Cachoeiro, uma estátua de mármore branco do “rei” Roberto Carlos foi colocada numa redoma de vidro e está na entrada da rua onde o cantor nasceu. E segue cercada de controvérsias quanto ao gosto duvidoso do que é exibido. Maioria parece preferir ignorar o monumento, um caso de súditos pouco reverentes à imagem projetada.

Lá nos idos de 1970, em plena ditadura militar, o primeiro monumento ao cantor erguido em sua cidade natal acabou sendo derrubado por jovens revoltados com a passividade do “rei” perante o regime. O pau quebrando e o “rei” em sua redoma. Então, erguer estátuas é também correr risco de vê-las, por circunstâncias, sendo postas abaixo, ignoradas ou remanejadas. Seja a de Lênin tombando no Leste europeu, a do escritor francês Gustave Flaubert, em Rouen, virando depósito de titica de pombos, ou a do índio pioneiro da Esplanada Capixaba, em Vitória, que continua a seguir num paradeiro tão errante que já ganhou até marchinha carnavalesca cujo bordão é um clamor antropológico: “Bota o índio no lugar”.

Memória de estátua não é de elefante, mas ambos têm outra coisa em comum: quando tombam, difícil mesmo é a remoção. E se as estátuas pudessem falar e reclamar dos maus-tratos? Certamente virariam tema de alguma CPI do senador Magno Malta, que é performático e entende desse negócio. A estátua do colunista Zózimo, no posto 12, Leblon, acaba de perder a máquina de escrever, surrupiada. Volta e meia carregam o óculos do Carlos Drummond de Andrade. Aliás, no Rio, só não carregam (ainda) a estátua do Cristo.

Na Praia de Camburi, a estátua do violonista Mauricio de Oliveira, eternizada em bronze, já incluiu uma blindagem para esses tempos onde crack e craque soam iguais, porém com uma diferença brutal. A estátua é toda maciça embutindo o violão, justamente para evitar que parte seja retirada transformando-se em “produto” negociável em alguma boca. Dias atrás, um grupo de estudantes posava alegremente para fotos com o violonista autor da célebre “Canção da Paz”. Volta e meia alguém para e faz selfie, um ou outro curioso tenta entender qual acorde está ali eternizado pelo nosso músico inesquecível. Então, trata-se de um raro caso de estátua bem sucedida.

Diferente da estátua homenageando colonizadores, erguida recentemente num trevo de Nova Venécia e que mostra trabalhador peneirando café. Virou meme nas redes. Um caso típico de pareidolia: vista de perfil dá impressão de ser um símbolo fálico, o que rendeu piadinhas, de que seria homenagem a algum astro pornô. “Minha cidade inovou com estátua do Kid Bengala pomerano”, comparou um internauta.

Já o Santuário de Aracuí, Castelo, onde religiosos dizem ter visto aparições de Nossa Senhora, peca pelo excesso de estátuas em granito e mármore, quase uma babel de monumentos nem sempre bem desenhados ou situados. E diante de tanta progressão das estátuas, já estamos precisando com certa urgência de um controle de qualidade, com aqueles tais selos e certificados. Nem tudo é o que parece e nem toda estátua é o espelho desejado. E se já é difícil virar estátua, esculpir ou erguer uma, mais complicado ainda é fazê-la se sustentar com leveza. Tudo o que é sólido, um dia também se desmancha no ar.

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