É na relação com o Congresso que o presidente eleito terá de enfrentar seu desafio de largada. Levantamento do Diap mostra que base na casa nem sempre será confortável
Brasília – Em 16 dias, o país encerra um ciclo de 24 anos, no qual os partidos foram os protagonistas para o bem e para o mal, diante de avanços de políticas públicas e escândalos de corrupção. Em 1º de janeiro, Jair Bolsonaro assume o comando do país com discurso de autonomia em relação aos caciques do Congresso, quase como a negação do conceito de presidencialismo de coalizão.
“Existe um compasso de espera em relação ao processo de negociação política do novo governo, que, ao que parece, pode ser chamada a partir de agora de presidencialismo temático”, diz o professor Ivo Coser, coordenador do grupo de teoria política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “O primeiro grande teste será com a eleição para as mesas diretoras do Congresso”, afirma Coser.
O primeiro dos temas a ser tratado é justamente a relação com o Congresso. Levantamento exclusivo obtido pelo Estado de Minas mostra que Bolsonaro inicia o mandato com base parlamentar confortável para aprovar projetos considerados importantes para a retomada da economia, como a própria reforma da Previdência. Contudo, para isso, o presidente eleito precisa ser rápido e ter convicção na proposta, para não criar ruídos com os deputados federais logo na largada.
O conceito foi criado pelo cientista político Sérgio Abranches, ainda em 1988, e se refere ao funcionamento das relações políticas brasileiras, baseado nos apoios parlamentares a partir de negociações de cargos e benefícios. Na prática, a única forma de governabilidade só seria possível com os acordos quase nunca vinculados a programas ou mesmo ideias, mas referentes a privilégios e jogos rasos de poder. A coalização sempre seria usada para dar sustentação a determinado presidente, que estaria refém do balcão no Congresso.
A base parlamentar do presidente eleito Jair Bolsonaro na Câmara a partir de 1º de fevereiro será de 255 deputados federais, mas, a depender do projeto a ser votado, poderá chegar a 372 parlamentares. O número é maior do que o verificado nos inícios dos governos Fernando Collor (320), em 1990, e Luiz Inácio Lula da Silva (323), em 2012 — e pode dar ao capitão reformado tranquilidade caso queira aprovar reformas constitucionais, como a da Previdência, que depende de 308 votos para virar lei.
Em relação à base parlamentar consistente — que o apoiará em qualquer circunstância —, Bolsonaro tem mais aliados do que Itamar Franco (250), em 1992, e praticamente empata com Fernando Henrique Cardoso (260), quando o tucano tomou posse para o segundo mandato. Os dados fazem parte do documento inédito Radiografia do novo Congresso, que será lançado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) na próxima semana.
Apoios na balança
“Pelo perfil do novo governo e a da agenda fiscal e conservadora, o apoio tende a ser significativo por causa da afinidade e ideológica de boa parte dos partidos com representação política”, afirma Antonio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Diap. Além dos 52 deputados eleitos do PSL em outubro, os partidos que estarão na “base consistente” são o DEM, o PP — representados majoritariamente pelos ruralistas —, o PR e o PRB, núcleos evangélicos, e o PTB e PSD. “Nesses últimos dois casos, são legendas que apoiam todo e qualquer governo”, diz Queiroz.
Na base de apoio consistente ainda estão o Pode, o PSC, o PHS, o PRP e o DC. Entre os aliados eventuais, estariam o MDB, PSDB, SD, PPS, Novo, Pros, Avante, Patri, PMN e PTC. A oposição será feita pelo PT, PSB, PDT, PCdoB, Psol, Rede, PV e PPL. É importante considerar que parlamentares socialistas e pedetistas, além de integrantes do PCdoB e do PV ,pretendem formar uma frente moderadora com agenda própria, que não necessariamente estaria sempre contra as propostas de Bolsonaro.
Segundo Queiroz, o governo teria voto suficiente para aprovar projetos na esfera infraconstitucional, especialmente leis ordinárias e medidas provisórias. “Para leis complementares e emendas à Constituição, será necessário negociar com os partidos de centro”, afirma o diretor do Diap.