Especialistas avaliam que precedente aberto nos EUA pode trazer prejuízo ao consumidor
A decisão da Comissão Federal de Comunicações (FCC) americana, que revogou a neutralidade da rede da internet nos Estados Unidos, ainda não está em vigor, mas o despacho já abre precedentes para o futuro da questão no Brasil. Se a resolução chegar por aqui, especialistas alertam que a chance de o consumidor desembolsar mais para se conectar é bastante alta.
A neutralidade da rede, preceito garantido pelo Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, quer dizer que todos os dados são iguais no tráfego on-line: seja vídeo, foto ou e-mail, todos chegam ao consumidor com mesma velocidade e mesma qualidade, não importa a origem e o destino.
Segundo a “Folha de S. Paulo”, empresas de telefonia vão aguardar as discussões da reforma da Previdência para pedir ao presidente Michel Temer para rever o decreto que garante neutralidade da rede no Brasil.
As teles já haviam tentado executar movimento parecido, no começo do ano, com as franquias, lembra o especialista em Segurança da Informação, Gilberto Sudré. “Mas, por pressão popular, não conseguiram levar à frente”.
Na prática, destaca ele, com o fim da neutralidade da rede, o provedor poderá bater na porta do Netflix, por exemplo, e dizer que para seu tráfego de dados chegar ao cliente de forma mais rápida que os concorrentes deverá pagar uma quantia.
“Isso quebraria a neutralidade da rede e causaria uma assimetria de concorrência. Se eu tenho uma startup e bolei algo inovador da distribuição de filmes, mas se não houver neutralidade e eu não tenho o dinheiro do Netflix para pagar provedores e não poderia concorrer, ficaria escondido na rede”, explica.
Outro problema é que as empresas poderiam, então, começar a vender pacotes como na TV por assinatura. “Tem pacotes que têm 70 canais, outros 120. A empresa poderia vender o pacote mais barato para acessar só Google e Wikipédia, e o mais caro para Netflix, por exemplo”, ressalta Sudré.
Por outro lado, as empresas argumentam que sem esse tipo de diferenciação, a implementação de tecnologias como Internet das Coisas e 5G ficaria comprometida. Ao G1, o presidente do Sinditelebrasil (sindicato das teles), Eduardo Levy, afirmou que o assunto está sendo debatido. “Isso está sendo discutindo nos grupos fechados, aqueles para tratar de IoT e 5G, e que virá à tona quando estiver na agenda do dia”, afirmou.
O resultado de uma eventual quebra da neutralidade é o aumento do valor dos serviços ao consumidor, diz o coordenador dos cursos de computação da Faesa, Rober Marcone.
“Isso permite que uma empresa possa ter velocidade de dados maior que outros serviços e as teles cobrem de forma diferenciada. É algo na mesma linha da cobrança das bagagens dos aviões”, observa.
Para o professor de Direito Digital da FDV, Bruno Costa Teixeira, a neutralidade é fundamental para que qualquer indivíduo possa produzir e fazer circular conteúdo pela internet, e para que empresas novas e pequenas possam competir de forma igualitária na divulgação de conteúdo digital.
“As únicas beneficiadas com a quebra da neutralidade da rede são as empresas de telecomunicações que atuam como provedoras de acesso à internet. Todos os demais perdem com a medida”, avalia.
Impactado pelos “fakes”
A decisão sobre o fim da neutralidade nos EUA ocorreu após consulta pública feita pelo FCC (Federal Communications Commission). O resultado da consulta, com metade dos votos a favor da mudança, surpreendeu os americanos. Mas uma investigação apontou que cerca de 2 milhões de comentários favoráveis à medida, que ainda tem que passar pelo Congresso, eram falsos ou duplicados.
NEUTRALIDADE DA REDE
A favor da quebra da neutralidade
Dificuldades
Representantes de empresas dizem que sem a quebra da neutralidade da rede, haverá dificuldades na implantação de tecnologias como Internet das Coisas e 5G.
Prioridade
Alguns serviços precisam de mais qualidade, como é o caso do serviço de streaming, que não pode ser interrompido ou ficar esperando muito. Essa prioridade não é necessária quando se envia um e-mail, por exemplo. Por isso, os dados do streaming teriam que “entrar na frente” do e-mail.
Gestão
Outro argumento é que é possível fazer a administração dos dados sem discriminar, separando o que é mais importante para trafegar, o que o Marco Civil da Internet não permite.
Contra a quebra da neutralidade
Pacotes mais caros
Ativistas, acadêmicos e especialistas acreditam que a medida só abriria a porta para as operadoras oferecerem pacotes limitados ou fracionados de internet, o que resultaria em um serviço mais caro para o consumidor. Além disso, novos serviços ou jogos seriam cobrados a mais.
Concorrência desigual
Nada impediria as operadoras de fazer parcerias para manter um serviço mais veloz e deixar os concorrentes mais devagar.
Desequilíbrio
Empresas maiores, que podem pagar para ter seu serviço priorizado, ganhariam mais espaço que empresas menores.
Fora da onda
Fenômenos como o Pokémon Go, que surgem de repente, não poderiam ser acessados pelos usuários no “boom”.