Entidades serão ouvidas pelo Supremo Tribunal Federal nesta sexta (3) e na segunda (6). Depois, ministros devem decidir se atual Código Penal descumpre a Constituição
A descriminalização da “interrupção da gravidez em até 12 semanas de gestação”, o aborto, está em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) com audiências públicas nesta sexta-feira (3) e segunda-feira (6). Dessa vez, o imbróglio está em uma interpretação da Constituição: estaria a criminalização do aborto descrita nos artigos 124 e 126 do Código Penal contrariando princípios fundamentais da Carta Magna, como a liberdade e a igualdade?
Você vai ver nesta reportagem:
- Origem do processo e como serão as audiências
- Histórico de decisões no STF e como será a tramitação
- Quais as polêmicas religiosas, éticas e jurídicas envolvidas
- Posicionamento de entidades e entrevista com estudante que pediu direito ao aborto no STF, mas acabou realizando o procedimento na Colômbia
Atualmente, o aborto é crime no Brasil. Quem o pratica pode ser preso por até 3 anos. A discussão nesse momento é sobre a descriminalização. Na prática, o Supremo vai decidir se quem aborta deveria ser preso ou não.
O assunto corre desde março de 2017, quando o Instituto de Bioética (ANIS) e o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) pediram apreciação sobre o aborto no Supremo à luz da Constituição. As audiências começaram agora, mas uma decisão de fato pode levar anos para acontecer. Nelas, diversos atores sociais vão tentar mostrar os diferentes pontos de vista sobre o controverso tema e suas nuances.
As entidades que pediram apreciação do STF sustentam que o Código Penal, em que consta a criminalização do aborto, é uma lei de 1940, anterior a Constituição de 1988. Por isso, cabe um pronunciamento do STF sobre se o código respeita princípios como a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade da vida, a proibição da tortura, a igualdade, a liberdade, e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres – que são princípios constucionais.
Apesar do PSOL e do Instituto de Bioética terem pedido o pronunciamento, outras instituições pediram para entrar no processo na qualidade de amici curiae: o termo designa o “amigo da corte”, que qualifica aqueles que aconselham o STF sobre temas polêmicos.
Na prática, eles têm direito a enviar documentação para a corte e podem se pronunciar no dia do julgamento. Se a instituição não envia esse pedido, não pode fazer sustentação oral no plenário. No fim, quem vai decidir será sempre o STF por meio do voto de seus ministros – mas a entrada dessas instituições contribuem para ampliar o debate.
Entre os pedidos para serem “amigo da corte”, estão o Partido Social Cristão (PSC) e a União dos Juristas Católicos do Estado de São Paulo (Ujucasp). Em contraposição à petição, que diz que a criminalizado do aborto fere a Constituição, a União dos Juristas sustenta que a Constituição convive há 30 anos com o Código Penal e, por isso, não há controvérsia constitucional sobre a questão.
“Não há controvérsia constitucional. Não há descumprimento de preceito fundamental. É incabível uma arguição nesse sentido. Há uma manipulação de conceitos” — Angela Vidal Gandra Martins, advogada (Ujucasp).
Embora especificamente o STF vá tratar se o Código Penal fere princípios constitucionais, o tema esbarra em diversas controvérsias em vários âmbitos da sociedade: e é essa a motivação para o chamamento da audiência pública, segundo a ministra Rosa Weber, relatora da matéria. Há questões de cunho moral, religioso, ético, filosófico, jurídico, de saúde pública, e de direitos humanos e da mulher que envolvem o tema. Por esse motivo, assim, a sociedade será ouvida.
A situação do processo é a seguinte:
Quem entrou com a ação: PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e Instituto de Bioética (ANIS)
Quando a ação foi protocolada no STF: 8 março de 2017
Quem pediu para entrar na qualidade de “amigo da corte”: o Partido Social Cristão, a União dos Juristas Católicos do Estado de São Paulo e o Instituto de Defesa da Vida e da Família, entre outros.
Resumo da petição: O processo tem o nome de ADPF 442 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442). À luz da Constituição, questiona-se os artigos 124 e 126 do Código Penal — que, na prática, criminalizam o aborto. São eles:
Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consetir que outrem lhe provoque:
Pena: detenção de um a três anos
Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena: reclusão, de um a quatro anos.
O que aconteceu até agora? Desde que a petição foi protocolada, a ministra Rosa Weber (relatora do processo), tomou algumas providências:
a) Pediu informações à Presidência da República, ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados, à Advocacia-Geral da União e à Procuradoria-Geral da República.
b) Aceitou pedidos de atores sociais para entrar na qualidade de “amigo da corte”, conselheiros do STF. Esses pedidos, no entanto, só serão avaliados após as audiências públicas.
c) Convocou audiência pública para serem realizadas e abriu inscrições para quem quiser participar da audiência. Estamos nessa fase.
Quem vai participar das audiências públicas: Instituições da área de saúde, como Fiocruz e Ministério da Saúde, instituições do direito, representantes religiosos, ONGs e especialistas. A lista completa dos participantes está aqui. As audiências acontecerão na sexta-feira (3) e na segunda-feira (6) em dois períodos: das 8h20 às 13h30; e das 14h30 às 19h30.
O que acontece depois das audiências?
Após as audiências, a relatora e ministra Rosa Weber avaliará o material das audiências e elaborará o seu voto. Depois, ela encaminha seu parecer para a presidenta do Supremo que coloca o tema em pauta.
Por decisão da presidente, é marcado o julgamento em que todos os ministros do STF presentes na seção podem votar. Não há um prazo para que isso aconteça. Mas há alguns precedentes em temas semelhantes:
Anencefalia (ADPF 54): foi protocolada em 2004 e a decisão saiu em 2012: período de 8 anos para a decisão. O STF entendeu que mulheres com feto anencéfalo poderiam abortar.
Células-tronco (ADI 3510): foi protocolada em de 2005 e a decisão saiu em 2008: período de 8 anos para a decisão. O STF entendeu que embriões podem ser usados para pesquisas com células-tronco.